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Da Relevância da Componente Psicológica na Evolução Futura da Economia Portuguesa
Resumo: O presente estudo procura analisar os desafios que se colocam à economia portuguesa, num quadro de implementação de uma política de rigor orçamental que se procura conciliar com a realização de reformas estruturais e com a inversão de um “ciclo para-recessionista” ou, numa perspectiva mais optimista, de crescimento lento da economia nacional.
Recorre-se a conceitos como os de “sindroma despesista” e de “sindroma hiper-competitivo”, referindo-se, ainda, o conceito de “comportamento FTL” (“Follow the leader”) e a indispensabilidade de se enveredar por medidas que assegurem uma nova transparência do mercado.
Depois de se proceder à caracterização de estratégias alternativas empresariais conclui-se pela vantagem na adopção da estratégia de “playing for long run profit and diversification”, suscitando-se a questão do eventual recurso ao investimento público, nomeadamente, na versão P.P.P. (Public – Private – Project) – com referência ao conceito de “paliativo” –, bem como à necessidade de revisão do Pacto de Estabilidade e Crescimento.
Em síntese, pretende-se, com o presente estudo, chamar a atenção para a relevância do “novo-Keynesianismo”, em articulação com a indispensabilidade de aumento do “stock” de capital e de acréscimo da produtividade, procurando-se, por conseguinte, conciliar as reformas estruturais com a expansão sustentada da economia e com o respeito de critérios de rigor nas Finanças Públicas.
Abstract: The present study aims to analyse the challenges facing the Portuguese economy while implementing a budgetary control policy which can be conciliated with structural reforms and with the reversing of a “para-recessionist cycle”, or, in a more optimistic perspective, of slow growth of the national economy.
We will resort to concepts such as “spending syndrome” and “hyper-competitive syndrome”, will refer the concept of “FTL (follow the leader) behaviour” and the indispensability of resorting to measures that can assure a new market transparency.
After characterizing alternate business strategies, we will conclude on the advantage of adopting a “playing for long run profit and diversification” strategy and will underline the matter of resorting to public investment, namely on the PPP (Public – Private – Project) version, referring the “palliative” concept and the need to review the Stability and Growth Pact.
In short, the present study aims to underline the relevance of the “New Keynesianism”, in articulation with the need to increase the stock of capital and productivity, by looking, consequently, to conciliate the structural reforms with the sustained growth of the economy and the respect of control criteria in Public Finances.
1. Dos desafios que se colocam à economia portuguesa
É sabido que a economia portuguesa conheceu um significativo crescimento no decurso das duas últimas décadas, chegando mesmo a convergir com a então Europa dos Quinze, entrando para a zona do euro, melhorando muitas das suas infraestruturas de enquadramento e passando por uma fase (até 2000) de incremento das suas vantagens competitivas externas.
Convirá, todavia, reconhecer que, já na década de 90, o crescimento da economia portuguesa foi mais conseguido graças ao aumento da população activa (que resultou, em larga medida, da entrada de um número muito significativo de mulheres na dita população activa) do que a partir de acréscimo de produtividade.
E, hoje em dia, não se tornando possível continuar a apostar numa expansão substancial da população activa, só nos resta considerar a produtividade como correspondendo à variável explicativa fundamental a considerar para efeitos do nosso crescimento económico futuro.
Para tal, haverá que dispor de um adequado “stock” de capital, a par de uma mão-de-obra qualificada, o que se apresenta difícil num quadro de insuficiente formação de poupança endógena e de um sistema de ensino (e de formação profissional) com elevados níveis de ineficiência.
A crise para-recessionista que se instalou a partir de 2002 não contribuiu para melhorar – como, aliás, seria de esperar – a situação estrutural da economia portuguesa, agravando-se, entretanto, os desequilíbrios nas Finanças Públicas e desenvolvendo-se uma nova tendência de agravamento da divergência com a Europa (mesmo considerando a Europa dos 27 e não a dos 15).
É neste quadro que importa ter presente os desafios, estruturais e conjunturais, com que se defronta a economia portuguesa, a saber:
- do ponto de vista estrutural, a introdução de profundas transformações em áreas estratégicas, da Administração Pública à Educação, passando pela Saúde e pela Justiça, criando-se condições para a consolidação sustentada das Finanças Públicas, para o aumento da produtividade e para a maximização das nossas vantagens competitivas dinâmicas (naturalmente, com o objectivo último de melhoria do nível de Bem-Estar da colectividade a que pertencemos);
- numa perspectiva conjuntural, a conciliação das limitações decorrentes do Pacto de Estabilidade e Crescimento com a indispensabilidade de se criar um “clima” de confiança junto dos agentes económicos, tendo em vista inverter o “ciclo da crise”, aumentando o investimento, acelerando, de novo, o crescimento da economia e diminuindo o desemprego (e evitando- se, se possível, um agravamento dos desequilíbrios externos).
Ora sucede que não se afigura simples promover reformas estruturais num quadro de para-recessão, nem tão pouco reduzir o número de funcionários públicos contendo, simultaneamente, a despesa pública e não deixando aumentar o endividamento do Estado.
Por outro lado, também não se afigura fácil (agora, já na perspectiva conjunturalista) reduzir o défice orçamental, conter a divida pública, promover o crescimento económico, evitar as pressões inflacionistas (com efeitos indutores negativos na competitividade externa) e reduzir o desemprego, tudo ao mesmo tempo, como se existisse uma varinha mágica que tudo consegue.
O modelo que alguns teóricos defendiam há dois anos atrás – mas, que, presentemente, têm tido mais dificuldade em defender – consistia em se enveredar pela promoção das exportações, as quais aumentariam um “belo dia”, quando a economia europeia conhecesse uma maior expansão. Então, quando tal sucedesse, chegaria a inversão do “ciclo da crise”, o investimento aumentaria, o PIB cresceria acima dos 2,5% e o desemprego sofreria uma redução.
Em suma, encomendávamo-nos a Deus Nosso Senhor, na esperança desse “belo dia” chegar e, nessa altura, tudo estaria resolvido.
Acresce, ainda, ao facto de, sendo crente, não acreditar em milagres frequentes, existirem dois aspectos fundamentais a ter em conta na implementação de uma qualquer estratégia de inversão do “ciclo de crise”, a saber:
- o fenómeno que designo de “sindroma despesista”;
- o comportamento FTL – “Follow the leader” – de uma grande parte do tecido empresarial, designadamente nos mercados com predominância de PME’s e de micro-empresas.
2. Do “Sindroma despesista” ao “sindroma hiper-competitivo”, condicionado pela variável tempo
Conforme já tive oportunidade de expor em ocasiões anteriores1 , afigura-se, perfeitamente, razoável afirmar que qualquer economia, ao necessitar de realizar reformas estruturais, precisa de passar por um período de ajustamento no decurso do qual o desemprego aumenta, havendo, concomitantemente, uma contenção da despesa.
Deste modo, o aumento temporário do desemprego e a dita contenção da despesa não deveriam ser, necessariamente, consideradas como correspondendo a um sinal de evolução negativa da economia em causa.
Pelo contrário, se tal evolução resultasse de um esforço sério de reestruturação do tecido produtivo, poderia e deveria a mesma ser considerada um sinal positivo no que concerne à criação de condições propiciadoras de uma transformação qualitativa da economia, o que, por sua vez, permitiria gerar novas “expectativas” em relação ao futuro.
Ora, num quadro deste tipo, seria concebível que as “ordens de investimento” aumentassem, uma vez que haveria a percepção de que estariam em curso reformas estruturais de sentido positivo, reformas essas que – mau grado a evolução conjuntural negativa de algumas variáveis – permitiriam aumentar, a prazo, a competitividade externa da economia portuguesa.
Contudo, a generalidade dos agentes económicos, em Portugal, não apresenta esse “padrão comportamental”.
A generalidade dos agentes económicos nacionais tende a retrair o investimento quando o desemprego aumenta e a despesa diminui, independentemente de analisar se existem ou não reformas estruturais em curso (de sinal positivo ou, eventualmente, negativo).
Trata-se, por conseguinte, de um comportamento “mecanicista” ou automático que designo de “sindroma despesista”, conduzindo a um comportamento algo paradoxal por parte dos investidores: “por um lado, exige-se a adopção de políticas de contenção da despesa e a reestruturação da Administração Pública e do sector tradicional da economia, libertando-se mão-de-obra excedentária, como pré-condição de um ulterior acréscimo do investimento privado e de um desenvolvimento económico sustentado; por outro lado, o aumento do desemprego e a contenção da despesa levam, mecanicamente, a um quebra do investimento privado, dadas as “expectativas” existentes quanto à evolução da procura”.
Do que se disse conclui-se não ser fácil influenciar positivamente a componente psicológica do investimento num contexto de redução ou de contenção da despesa e de agravamento do desemprego.
Por outro lado, a generalidade das empresas assumem um comportamento FTL (“Follow the leader”), que o mesmo é dizer que, se, porventura, a empresa líder ou de referencia aumenta os preços, desinveste, diminui o nível de produção ou transfere activos para o exterior, então os seguidores (“followers”) tendem a imitar o seu comportamento.
O comportamento FTL pode levar as empresas seguidoras a cometerem grandes erros, sendo de referir que, na sua origem, poderão estar situações diferenciadas, desde a ausência de informação à desfasagem temporal na decisão, passando pela indução deliberada em erro por parte da empresa lider.
Esta tipologia comportamental pode tornar, ainda, mais difícil actuar ao nível das “expectativas racionais” por forma a contribuir-se para a inversão do “ciclo da crise”.
Em boa verdade, a questão das “expectativas” não pode ser reconduzida ao que se convencionou designar de “expectativas racionais”, sendo de realçar que existe, por vezes, muito de irracional na componente psicológica do investimento (e, por conseguinte, na “explicação” do próprio comportamento das variáveis macroeconómicas).
Desenvolvendo um pouco mais, o pressuposto da racionalidade na Teoria Económica apresenta-se, em larga medida, discutível.
A título exemplificativo, se um indivíduo A tiver à sua disposição 500€ não vai, seguramente, fazer uma análise detalhada sobre a melhor forma de aplicar o seu capital no sistema financeiro.
E se B ganhar o salário mínimo nacional não vai, certamente, aplicar os 200 ou 250€ que não utiliza na primeira semana do mês, por forma a obter uma remuneração “optimizada” do seu capital.
E, ainda, se C for um pequeno aforrador e pretender aplicar na Bolsa não vai estudar os Relatórios e Contas das principais empresas que nela se encontram cotadas, limitando-se a seguir o conselho de algum amigo que considera perito na matéria.
Em resumo, a racionalidade económica não apenas está, em muitos casos, associada a um mínimo de riqueza e/ou de rendimento, como também a um mínimo de instrução/formação.
Se pensarmos no facto de que existem milhões de micro-agentes que estão nessa situação, então, se agregarmos os fluxos respeitantes a esses segmentos sócio-económicos, chegamos à conclusão de que uma parte substancial do comportamento das variáveis macroeconómicas não é racionalmente explicável, antes tendo que ver com aspectos de natureza psicológica (não racional).
E a inegável tendência para a adopção generalizada de um comportamento F.T.L. é, ainda, reforçada pelo sindroma hiper-competitivo, centrado na obsessão do tempo como variável determinante da eficácia na gestão.
Aos “turtle years” da Administração Pública contrapõem-se os “dog years” dos sectores da informática e das telecomunicações (em que um ano de progresso tecnológico corresponde a sete da indústria tradicional).
O gestor X ou Y é eficaz porque “solucionou em poucas horas uma crise interna”…
Ora, este sindroma hiper-competitivo conduz, ainda mais (na ânsia de “ganhar tempo”), ao comportamento redutor FTL.
É neste quadro que se apresenta difícil que o investimento privado possa vir a aumentar significativamente em 2008, a menos que se venha a constatar um incremento algo inesperado no que se refere ao investimento alógeno.
E, pelo que se disse, não se apresentará, também, fácil que a taxa de crescimento do PIB, no decurso do ano corrente, venha a ser superior a 1,5-2,0%, o que, aplicando a tão conhecida lei de OKUN, nos leva a concluir ser improvável a constatação de uma redução significativa da taxa de desemprego.
3. Da relevância do comportamento FTL
A grande generalidade das empresas – sobretudo em economias com falta de iniciativa empresarial, em que, por isso mesmo, o Estado tem um peso significativo, a vários níveis – tende a comparar-se com uma ou duas empresas de referência, reconduzindo o seu comportamento à imitação dessa ou dessas empresas.
Afigura-se possível considerar, pelo menos, três tipos distintos de comportamento F.T.L., a saber, o comportamento FTL com informação incompleta, o comportamento FTL com desfasagem decisional e o comportamento FTL com manipulação.
No primeiro caso, a empresa B (seguidora – “follower”) parte do pressuposto de que a empresa A (“leader”) é bem gerida, dispondo de mais dados, de tecnologia mais adequada ou de melhor gestão do que ela própria, o que a leva a considerá-la empresa de referência.
Se A decide comprar as matérias-primas num determinado mercado, B tende a imitá-la.
Se A utiliza certas técnicas de gestão de “stocks”, B tende a enveredar pela mesma solução.
E se A opta por realizar certos investimentos, B tende a ponderar a hipótese de seguir caminho idêntico.
Só que, contrariamente à imagem que B tinha de A, esta última pode não estar a ser bem gerida, cometendo a sua Administração vários erros em matéria de gestão, erros esses que não são detectados por B.
B apenas segue A por ausência de informação, por informação incorrecta ou incompleta, havendo um certo “comodismo” ou uma certa “inércia” que está na origem da adopção deste comportamento redutor.
Importa frisar que, praticamente, todas as empresas de pequena e média dimensão adoptam esta tipologia comportamental – e, muitas vezes, as próprias grandes empresas –, pelo menos, a certos níveis.
Mesmo uma empresa bem gerida, com preocupações de análise aprofundada das opções de gestão a realizar, tende a considerar que as despesas com toalhas de papel nas instalações sanitárias ou ao nível das lâmpadas a utilizar no escritório não exigem estudo comparativo exaustivo, recorrendo, muitas vezes, à imitação.
Digamos que, abaixo de um certo nível de despesa, o tropismo para o “seguidismo” é bem maior, raramente se escapando ao “comportamento FTL” e, por conseguinte, às suas debilidades.
No segundo caso, i.e., no “comportamento FTL” com desfasagem decisional poderá, também, existir uma deficiência de informação, mas, em regra, verifica- se um erro de análise ou de interpretação, o qual induz o “follower” em erro.
Admitamos, por mera hipótese, que a empresa A (“leader”) decide comprar terrenos para construção de habitações na cidade da Guarda e que, ao cabo de ano e meio, dois anos, põe em comercialização uma grande urbanização com manifesto sucesso.
A empresa B (“follower”) decide seguir o mesmo caminho.
E outras empresas, C, e D, também, enveredam pelo mesmo tipo de estratégia.
Todavia, o que é que se passou ao longo de dois a três anos? A oferta de habitação aumentou, significativamente, na cidade da Guarda e os preços desceram substancialmente.
Logo, enquanto A obteve elevados lucros, B sofreu algum prejuízo e os restantes “seguidores” foram muito mal sucedidos.
Tudo isto aconteceu porque existiu um desfasamento temporal importante entre o momento em que A tomou a decisão de investir e o momento em que os seus “followers” enveredaram pelo mesmo caminho, não tendo estes últimos sabido prever a situação que viria a ocorrer, no futuro, em virtude de terem feito uma análise deficiente do que se convencionou chamar de “oportunidade do negócio”.
Já no terceiro caso, que designámos de “comportamento FTL com manipulação” (ou com indução em erro), a situação apresenta-se, manifestamente, diferente, uma vez que existe a intenção, por parte da empresa-líder, de conduzir os seus seguidores a cometerem um erro.
Tal pode ser feito a partir de diversas metodologias como, por exemplo, a criação de “falsos alvos” ou a transmissão de informações “orientadas” ou “dirigidas” para a obtenção de certos objectivos.
O “comportamento FTL com manipulação” pode resultar, por exemplo, de uma estratégia de “hit and run”.
Do que se disse, resulta que o Estado deve desempenhar um papel regulador, nomeadamente, criando condições para um maior acesso à informação, evitando excessos de concentração resultantes de externalidades em cadeia e dificultando os conluios e a cartelização sempre que os mesmos prejudiquem os consumidores.
O papel regulador do Estado evita, sobretudo, a excessiva oscilação dos preços, das quantidades produzidas e dos lucros, contribuindo para aumentar a previsibilidade da evolução da actividade económica.
Considere-se, a título exemplificativo, o Graf. 1, no qual se procura medir os preços no eixo das ordenadas e o tempo no eixo das abcissas.
A curva EL dá-nos o comportamento da empresa líder ao longo do tempo, em matéria de preços, enquanto que a curva ES1 nos dá o comportamento da empresa seguidora, na ausência de regulação do mercado.
Saliente-se que, inicialmente, a inclinação de ES1 é inferior à inclinação de EL, mas, na parte final, a situação inverte-se, i.e., a inclinação de ES1 é superior, o que poderá ser explicado a partir de uma postura “pessimista”, após a desilusão com o movimento “ascensional” da primeira fase.
A oscilação de preços é dada por O, oscilação essa medida entre o momento t0 e o momento t1.
Se considerarmos, agora, a hipótese de regulação do mercado, o comportamento da empresa seguidora (melhor informada) já será diferente, correspondendo à curva ES2.
Note-se que a inclinação da curva ES2 se apresenta inferior à inclinação da curva da empresa líder, i.e., de EL, uma vez que se encontra em condições de prever melhor as eventuais oscilações de preços. Neste último caso – de regulação do mercado –, a oscilação dos preços, entre t0 e t1, para a empresa seguidora, seria, tão somente, de O’.
Fonte: SOUSA, António Rebelo de in "De um novo conceito de desenvolvimento no quadro da economia internacional" , ISCSP, 2008, pág. 257.
É claro que esta análise estará sempre condicionada pela forma de mercado e pela capacidade da empresa líder (e, bem assim, das empresas seguidoras) influenciar os preços.
Todavia, afigura-se possível concluir existir vantagem na regulação do mercado, podendo, inclusive, o Estado desempenhar um papel supletivo em relação à própria actividade empresarial quando se está confrontado com um problema de falta de liderança.
Nessa circunstância, o Estado deverá contribuir para a criação de centros de pesquisa, incentivando a investigação, informando, implementando mecanismos que facilitem a concretização de parcerias e utilizando organismos que operem no domínio do capital de risco.
Mas, o Estado não deve substituir-se, por sistema, à iniciativa privada, limitando a liberdade de iniciativa e atabafando a criatividade empresarial, antes se tornando necessário, isso sim, ajudar a criar uma nova mentalidade ao nível dos que estão em condições de impulsionar o desenvolvimento económico, não obstante se reconhecer a existência do duplo condicionalismo “sindroma despesista” / “comportamento FTL”.
Para tornar mais claros os desafios que se colocam à economia portuguesa, importa articular a sobredita problemática do “sindroma despesista” e do “comportamento FTL” com a análise das estratégias empresariais diferenciadas, a fim de se procurar compreender quais as opções estratégicas com que se defronta, hoje em dia, o nosso tecido empresarial.
Por outras palavras, afigura-se necessário conhecer as estratégias empresariais alternativas para se compreender em que “núcleos de criatividade” se deve apostar, i.e., para se saber qual deve ser a atitude, a aposta estratégica da classe empresarial portuguesa e, muito em particular, das novas gerações de jovens empresários que têm um papel crucial a desempenhar no futuro.
4. Da aposta na estratégia de “Playing for long run profit and diversification”
Afigura-se, naturalmente, possível considerar diversas estratégias empresariais, adaptadas, naturalmente, às diferentes formas de mercado2.
Procurar-se-á, todavia, considerar, tão somente, aquelas que correspondem aos “comportamentos” mais correntes no mercado, muito embora se reconheça a possibilidade de, em muitos casos, ser possível que ocorram justaposições.
Uma primeira estratégia a referir é, precisamente, a de “hit and run” (“Bate e Foge”).
A empresa A, por exemplo, cria falsos alvos, induzindo a sua concorrente B em erro e levando-a a propor-lhe uma solução que lhe é favorável, embora no convencimento de que ela – empresa B – está a fazer um “bom negócio”, obtendo, por conseguinte, uma “vantagem negocial” em relação a A.
Admitamos que a BMW tem conhecimento que a Renault pretende fazer-lhe concorrência na Polónia, lançando neste mercado um novo produto automóvel.
A BMW sabe que a Renault está presente na Roménia e na Bulgária e, apesar de não ter a intenção de apostar nesses mercados, simula estar interessada em lançar novos produtos nos mesmos.
Abre escritórios de representação nesses países, estabelece contactos com entidades oficiais, inicia negociações tendo em vista a criação de parcerias com grupos económicos locais e faz chegar à Renault informação pretensamente confidencial com planos de investimento naqueles mercados.
A Renault é levada a acreditar no projecto expansionista da BMW e receia que o prejuízo que a mesma lhe possa vir a causar nos mercados da Roménia e da Bulgária seja superior aos potenciais benefícios decorrentes da sua aposta no mercado polaco.
A Administração da Renault dá, então, largas à sua “imaginação criadora” e decide propor à BMW um acordo: a Renault desiste do mercado polaco e a BMW desiste dos mercados romeno e búlgaro.
E a Administração da Renault está, sinceramente, convencida de que está a fazer uma proposta que lhe é, altamente, favorável.
A BMW aceita e a Renault considera ter obtido uma grande “vitória”, em termos negociais.
Só que a BMW nunca teria, verdadeiramente, a intenção de apostar na Roménia e na Bulgária.
A BMW pretendia, precisamente, que a Renault lhe propusesse o que propôs.
A verdadeira “vencedora” foi, isso sim, a BMW, a qual conseguiu alcançar o objectivo pretendido com uma operação de “hit and run”.
Esta estratégia pode ser integrada ou articulada com outras estratégias.
Em certos casos, pode mesmo ser convertida naquilo que alguns autores designam de “sub-estratégia”.
Uma segunda estratégia a considerar (que, aliás, pode ser combinada com a anterior) é a de “playing for the conquest”.
Trata-se de uma estratégia orientada, essencialmente, para a conquista de quotas de mercado, utilizando-se, para o efeito, diversas metodologias.
As metodologias mais habituais passam pelas seguintes “linhas de intervenção”:
a) políticas de preços competitivos e de facilidades de pagamento;
b) políticas de “marketing” agressivas;
c) criação de parcerias adequadas ao objectivo de conquista de mercados;
d) fusões e aquisições, recorrendo-se, simultaneamente, à alavancagem, no pressuposto da obtenção do que se convencionou designar de “leverage”;
e) obtenção de economias de escala, com eventual incorporação de progresso tecnológico e melhoria de qualidade de output;
f) aproveitamento de eventuais externalidades, quer resultantes de investimento público, quer advenientes de investimentos levados a cabo pela própria concorrência.
Em qualquer caso, uma estratégia de “playing for the conquest” (particularmente relevante num contexto de internacionalização) só se apresenta possível se a empresa tiver à sua disposição um “stock” de capital mínimo, sem o qual não será possível implementar as metodologias acima mencionadas.
Uma terceira estratégia consiste em “playing for survival”, em que, ao fim e ao cabo, o que se pretende é, tão somente, assegurar a sobrevivência da empresa em causa.
Existem, nesta categoria, duas sub-estratégias, a saber:
- a da empresa “condenada” a desaparecer, mas cujo “tempo de vida” se procura prolongar;
- a da empresa que, em determinadas circunstâncias, poderá ser, ainda, viabilizada.
Enquanto que no segundo caso faz sentido promover a reconversão da empresa, promover a sua reestruturação, introduzir inovações, reorganizá-la, procurar parcerias, enfim, utilizar diversas metodologias tendo em vista assegurar a sua sobrevivência, já no primeiro caso se afigura discutível a realização de um “esforço viabilizador”. Mais, a manutenção de uma empresa inviável, recorrendo a artifícios e a actuações condenáveis (como, por exemplo, atrasar, por sistema, os pagamentos ao Estado e à Segurança Social, bem como aos fornecedores, praticar preços abaixo do custo de produção, utilizar pessoal sem as qualificações necessárias), só poderá contribuir para adulterar as regras da concorrência.
Existem, claro está, alguns casos em que, em virtude de se tornar necessário atender a uma “lógica de grupo”, se justifica (na perspectiva dessa “lógica” e não na perspectiva da “lógica do mercado”) o prolongamento artificial da vida da empresa.
Um grupo A, prestigiado, prefere preparar, de uma forma gradual (até por integração noutra empresa que lhe pertença) o desaparecimento de uma unidade sua que se apresente inviável do que proceder a seu encerramento em condições tais que a sua imagem possa vir a ser afectada negativamente.
De qualquer forma, o futuro da internacionalização da economia portuguesa não se “joga” nesse segmento das empresas que se limitam a apostar em “playing for survival”.
Uma quarta estratégia consiste em “playing for profit and diversification”.
Neste segmento, importa distinguir, ainda, duas sub-estratégias, a saber:
- a de “playing for short run profit and diversification”;
- a de “playing for long run profit and diversification”.
A primeira tem como objectivo a obtenção de elevados lucros no curto prazo, no intuito de se conseguir uma rápida valorização da empresa no mercado, permitindo alavancar, muitas vezes implementando estratégias simultâneas de crescimento exógeno, com recurso a elevado endividamento.
Por vezes, a “tecnoestrutura” impulsiona, ela própria, esta modalidade de estratégia, uma vez que a função objectivo de uma classe emergente de gestores assenta, em muitos casos, na promoção profissional-social, num acréscimo de protagonismo, no acesso ao poder político, na acumulação rápida de rendimentos (fruto de prémios ou de mais-valias obtidas no curto prazo), convergindo, em termos comportamentais, com os “business-angels” (dinâmica impulsionadora do binómio Yuppies-business angels).
A adopção de uma estratégia deste tipo comporta, quase sempre, riscos elevados, implicando aumento incomportável de endividamento e/ou dificuldade de consolidação de posições fortes no mercado, levando a que a empresa em questão se converta, com frequência, em presa fácil de grupos concorrentes, num segundo momento.
Uma estratégia de aposta na maximização do lucro, numa perspectiva de curto prazo, tendo em vista a obtenção de “leverage” e a alavancagem, pode ser exemplificada pelo Graf. 2, se vier a comportar riscos elevados, a médio e longo prazos, que conduzam a um excessivo endividamento da empresa e a um processo de efectivo desinvestimento.
Um “risk lover” poderá aceitar um desafio deste tipo, se pensar que consegue vender a sua posição entre t0 e t1 (ou mudar para uma actividade mais interessante).
Entre t1 e t2 está-se numa fase de declínio, mas em que, ainda, há capacidade negocial significativa, mantendo-se o investimento a um nível, relativamente, elevado e continuando a haver lucro, apesar de se registar uma redução nas vendas.
Entre t2 e t3, o investimento decresce abruptamente, o mesmo se passando com as receitas, tornando-se indispensável um plano drástico de reconversão da empresa.
Em alternativa a uma estratégia deste tipo, afigura-se preferível uma outra de “playing for long run profit and diversification”, de acordo com a qual se pretende maximizar o lucro a longo prazo, apostando-se, simultaneamente, na diversificação (com redução do risco).
A implementação de uma estratégia como esta implica a aposta em R&D (“Research and Development”), um elevado nível de capitalização e capacidade de coordenação, em matéria de gestão, de sectores diferenciados da actividade produtiva, o que implica a existência de recursos humanos, altamente, qualificados (vide Graf. 3).
Só quando os nossos grupos empresariais começarem a enveredar por uma estratégia consistente de “playing for long run profit and diversification” será possível minimizar os efeitos perversos do “sindroma despesista” e do “comportamento FTL”.
Para tal, será indispensável ultrapassar as limitações, ainda, existentes ao nosso desenvolvimento económico em termos de “stock” de capital, de R&D e de Formação de mão-de-obra qualificada.
5. Da evolução mais recente da economia portuguesa, num quadro de “sindroma despesista”, de “comportamento FTL” e de estratégias empresariais condicionadas
É, por conseguinte, num quadro em que, para além das limitações estruturais e conjunturais já mencionadas, a componente psicológica se apresenta determinante (“sindroma despesista” e “comportamento FTL”) e se constatam condicionalismos que dificultam a adopção de estratégias empresariais de “playing for long run profit and diversification” (níveis insuficientes de “stock” de capital, de R&D e de mão-de-obra qualificada), que importa analisar a evolução mais recente da economia portuguesa.
De acordo com a estimativa das Contas Nacionais Trimestrais do INE3 , terá havido uma variação homóloga do PIB de 2% no quarto trimestre de 2007, o que correspondeu a uma aceleração face ao trimestre anterior (1,7%).
Contudo, importa reconhecer que a generalidade dos indicadores aponta para um comportamento menos dinâmico da procura interna, não se tornando, por outro lado, fácil que se venha a operar uma evolução positiva – ou, pelo menos, significativamente positiva ao nível da taxa de desemprego, conforme resulta, aliás, da aplicação da Lei de OKUN –, sendo, ainda, de referir que, no decurso do período compreendido entre Janeiro e Novembro de 2007, as exportações e as importações de mercadorias cresceram, em termos homólogos, respectivamente, 8,8% e 6,4%.
Se considerarmos os últimos doze meses, a terminar em Novembro do ano transacto, chegamos à conclusão de que as exportações de bens e serviços aumentaram 10,4%, em termos homólogos, com destaque para as rubricas respeitantes a “construção” (+ 32,8%), “informação e informática” (+ 30,7%), “Direitos de Utilização” (+ 25,1%), “Serviços Financeiros” (+ 22,5%) e “Comunicação” (+22,2%)4 .
Analisando um pouco mais aprofundadamente a evolução recente da economia nacional, importa referir que, em 2007, o Produto Interno Bruto (PIB) registou uma expansão, em termos reais, de 1,9%, tendo este sido o valor mais elevado desde 2001, tornando-se, ainda, possível considerar os seguintes indicadores, relativamente ao quarto trimestre do ano transacto:
a) o índice de produção da indústria transformadora cresceu 3,2%, em termos homólogos (2,2% no terceiro trimestre);
b) o índice de produção do sector da construção e obras públicas registou um acréscimo de 0,3%, também em termos homólogos (– 2,7% no trimestre anterior);
c) o índice de volume de negócios no sector de serviços experimentou uma aceleração (crescimento de 6,2%, contra 5,2% no terceiro trimestre).
Apesar da evolução positiva dos sobreditos indicadores, manda a verdade reconhecer que os indicadores de confiança dos empresários estabilizaram na indústria, pioraram nos Serviços e no Comércio e melhoraram na construção, sendo certo que esta evolução deverá ser articulada com as expectativas sectoriais de evolução da procura.
E a propósito da evolução da procura, convirá referir que, no quarto trimestre de 2007, o índice de volume de negócios no comércio a retalho sofreu um abrandamento face ao trimestre precedente, sendo, ainda, certo que o segmento dos bens alimentares evoluiu de forma desfavorável (variação homóloga de -1,1%).
Concomitantemente, os bens não alimentares registaram um crescimento homólogo de 0,9%, o que correspondeu a uma aceleração face ao trimestre anterior.
No mês de Janeiro de 2008, o indicador de confiança dos consumidores sofreu uma significativa deterioração, caindo para o valor mais baixo desde 2003.
Esta evolução desfavorável influenciou o indicador coincidente do consumo privado, prolongando a tendência descendente, apresentando um valor negativo em Janeiro de 2008.
Quanto ao investimento, o indicador coincidente da Formação Bruta de Capital Fixo (F.B.C.F.) registou, nesse mesmo mês, uma forte desaceleração, invertendo a tendência de melhoria que se vinha constatando desde princípios de 2007.
O facto de a evolução do investimento continuar a apresentar problemas tem, em larga medida, que ver com o que designo de “sindroma despesista” e, por conseguinte, com a “componente psicológica”.
A evolução positiva das exportações em 2007 criou algumas expectativas de que pudesse vir a registar-se uma maior retoma da actividade económica e uma melhoria nas “intenções de investimento” (de acordo com a metodologia subjacente ao “export led growth model”).
Todavia, em Dezembro e de acordo com as primeiras estimativas, as saídas de mercadorias registaram uma variação homóloga negativa, a qual terá resultado de uma quebra nas exportações para os países da E.U. e bem assim de uma desaceleração das exportações extra-comunitárias.
E já mesmo em relação ao quarto trimestre de 2007, as exportações registaram um crescimento muito inferior ao verificado ao nível das importações (3,5% a 9,4%, respectivamente), enquanto que, no decurso do terceiro trimestre, o crescimento havia sido semelhante (6% para as exportações e 6,7% para as importações).
No que se refere ao mercado de trabalho, convirá realçar que, em termos médios anuais, a taxa de desemprego atingiu os 8%, em 2007, valor este superior ao registado em 2006 (7,7%).
Por outro lado, no decorrer do quarto trimestre do ano transacto, o índice de custo do trabalho – que mede o custo médio por hora de trabalho – sofreu um aumento de 5%, em termos homólogos (3,6% no trimestre anterior), evolução esta que reflecte, em larga medida, uma redução das horas trabalhadas.
No conjunto do ano de 2007, verificou-se, também, uma aceleração no índice de custo do trabalho, tendo sido registada uma variação homóloga de 4%.
Esta evolução do custo do trabalho, num quadro de taxa de câmbio fixa, implicaria um aumento da produtividade deste factor de produção a um ritmo superior ao que se tem vindo a verificar, se se pretender aumentar a competitividade externa da economia portuguesa junto dos principais parceiros comerciais, tanto mais que a produtividade marginal do capital não se tem vindo a apresentar mais elevada, em Portugal, do que na generalidade dos restantes Estados Membros da E.U.
Paralelamente, a evolução da taxa de inflação, também não se tem apresentado, em Portugal, mais favorável do que na generalidade dos nossos principais parceiros comerciais, o que complexifica a obtenção de ganhos de competitividade externa, sendo, nomeadamente, de salientar que, em Janeiro último, o índice de Preços no Consumidor – IPC – registou uma taxa de variação homóloga de 2,9%, superior em 0,2 pp à verificada no mês anterior5 .
Importa, ainda, referir os traços caracterizadores principais da evolução ocorrida no mercado de capitais, como no domínio do Crédito e das Finanças Públicas.
As incertezas quanto ao possível impacto relativo da crise financeira internacional nas economias influenciaram, em Janeiro do corrente ano, a evolução do Índice PSI-20, o qual sofreu uma redução de 14,3%.
A capitalização bolsista, também, sofreu uma redução, no princípio do presente ano, sobretudo no segmento accionário.
No que se relaciona com o Crédito, convirá referir que o ritmo de expansão dos empréstimos aumentou para o sector privado não financeiro, o que terá resultado, essencialmente, de uma aceleração do crédito às empresas.
Já o crédito destinado a particulares continuou a conhecer uma tendência descendente, designadamente no segmento do crédito à habitação.
Por outro lado, as taxas de juro activas continuaram a subir no final de 2007, princípios de 2008, dificultando a retoma do investimento, sendo, ainda, de referir que, mesmo que as taxas de referência desçam, a redução da rendibilidade das instituições de crédito (aliada a problemas de liquidez) implicará sempre um aumento dos “spreads”, tornando sempre difícil a redução das taxas de juro activas.
Manda a verdade reconhecer que, no capítulo das Finanças Públicas, se registou uma evolução muito favorável.
Assim, em Janeiro de 2008 e na óptica da contabilidade pública, o défice global provisório do Estado atingiu os 382 milhões de euros, registando-se, por conseguinte, uma melhoria de 143 milhões de euros em relação ao mês homólogo do ano anterior.
O défice primário foi, nesse mesmo mês, de 148 milhões de euros, o que correspondeu a uma melhoria, face ao mesmo período de 2007, da ordem de 215 milhões de euros.
Em síntese e no que se relaciona com a execução orçamental, verificou-se a seguinte evolução:
- a receita fiscal aumentou 1,4% por comparação com Janeiro de 2007;
- a despesa primária sofreu uma contracção de 2,6%;
- a despesa com juros e outros encargos correntes da dívida apresentou uma expansão;
- a dívida directa do Estado atingiu, em 31 de Janeiro de 2008, o montante de 112 mil milhões de euros, diminuindo 0,7% por comparação com o final do mês anterior.
Por outro lado, o excedente da execução orçamental da Segurança Social foi de 519 milhões de euros, em Janeiro de 2008, apresentando uma subida de 299 milhões de euros face ao mesmo mês de 2007, sendo, ainda, de referir que a sobredita execução orçamental se caracterizou por:
- um acréscimo da receita corrente em 12,9%, a qual poderá ser explicada pela evolução das contribuições e das transferências correntes da Administração Central e do Fundo Social europeu;
- um decréscimo da despesa corrente em 5%, decorrente, fundamentalmente, do comportamento da despesa com pensões e da evolução ocorrida com os subsídios de desemprego e bem assim com as acções de formação profissional.
Em resumo, a economia portuguesa tem vindo a experimentar, mais recentemente, uma evolução muito positiva ao nível das Finanças Públicas, registando- se, simultaneamente, alguma reanimação da actividade produtiva, no decurso de 2007.
Foram implementadas algumas reformas que permitirão, a prazo, contribuir para a desburocratização da Administração Pública e para a criação de condições propiciadoras de um acréscimo do investimento (doméstico e alógeno).
Todavia, a economia portuguesa continua a apresentar um ritmo de crescimento, relativamente, baixo, i.e., inferior a 2% ao ano (1,9% em 2007), mantendo- se uma taxa de desemprego elevada e não se registando uma efectiva tendência para o relançamento do investimento.
Melhor dizendo, ainda não se constatou uma tendência para uma convergência (sustentada) da economia portuguesa com as restantes economias da EU, muito embora se tenha verificado uma melhoria em relação à situação existente entre 2002 e 2006.
E não fazendo sentido reconduzir a eventual possibilidade de um relançamento económico a um novo impulso expansionista da economia internacional, impulso esse que não se sabe quando e como existirá, talvez faça sentido pensar-se em soluções alternativas à mera aplicação de um “export led growth model”.
6. Da indispensabilidade de recurso aos “paliativos” a uma Nova Política Económica
Existe, desde logo, uma questão prévia por resolver: as crises económicas internacionais modernas apresentam, hoje em dia, características diferentes, tendo, em larga medida que ver com o facto de sectores como os da informática e das telecomunicações já não apresentarem o dinamismo suficiente para assegurar a “inversão do ciclo da crise”.
Tal resulta, em larga medida, de uma certa “saturação” do mercado em relação a produtos informáticos e de telecomunicações, tornando-se indispensável a emergência de um novo sector estratégico, em relação ao qual existam necessidades infindas por satisfazer.
Sou dos que pensam que esse novo sector estratégico deverá ser o da Saúde e que, por isso mesmo, quando se descobrir a cura do HIV ou de certo tipo de cancros, se encontrarem novas tecnologias que permitam reduzir, substancialmente, o custo dos medicamentos e dos equipamentos médicos, haverá lugar a uma IV Revolução Industrial, a que corresponderá um aumento significativo da esperança de vida à nascença e o desenvolvimento de muitas actividades – desde o turismo de saúde ao turismo de terceira idade, passando por actividades ligadas ao aproveitamento dos tempos livres e do excedente potencial de população activa empregável.
Ninguém, todavia, sabe quando se desencadeará esse processo, sendo certo que, até lá, tenderemos a viver em para-recessão ou, quanto muito, em expansão moderada.
Ao nível da EU existe uma segunda questão por solucionar, a saber, a compatibilização do Pacto de Estabilidade e Crescimento com o desiderato de expansão competitiva da economia europeia, no quadro da globalização.
A este propósito, sou dos que defendem a revisão do Pacto de Estabilidade e Crescimento, indo, porventura, ao encontro do que alguns designam de “neo-Keynesianismo” ou, então, de forma mais correcta, de “novo-Keynesianismo”.
Melhor dizendo, sou dos que entendem que as despesas públicas correntes não deveriam ter o mesmo tratamento que o investimento público, para efeitos da aplicação do critério do défice, tornando-se, simultaneamente, necessário aplicar, neste domínio, critérios uniformizadores a nível comunitário.
Não basta – nem faz sentido – afirmar-se que todo o investimento público não deveria ser tido em conta para efeitos do critério do défice.
Se assim fosse, um Primeiro-Ministro italiano ou de outra nacionalidade qualquer poderia aumentar, em exponencial e de forma irresponsável, o investimento público (inclusive, de reprodutividade discutível) e a Comissão Europeia nada poderia fazer…
Mas, se se estabelecesse que não deveria ser considerado o investimento público que contasse com a participação de fundos comunitários, na parte correspondente à sua componente nacional, então já seria diferente, uma vez que existiria um critério e um padrão de apreciação a nível comunitário, tornando-se, inclusive, possível proceder à aplicação imediata desta metodologia.
Enquanto a EU não enveredar por uma solução deste tipo o Pacto de Estabilidade será sempre mais de Estabilidade do que de Crescimento.
Um terceiro problema a considerar consiste na ausência de uma dinâmica suficientemente forte conducente à adopção pelo tecido empresarial português de estratégias de “playing for long run profit and diversification”, o que, aliás, implicaria, como se disse, a ultrapassagem das limitações, ainda, existentes ao nosso desenvolvimento económico ao nível do “stock” de capital, do R&D e da formação de mão-de-obra qualificada (ou, se se preferir, adequada a melhor tipologia de combinação de factores).
Um quarto problema a considerar – tendo em vista o “rompimento” com o “sindroma despesista” e com o “comportamento FTL” – tem que ver com a indispensabilidade de implementação de uma política económica consistente (que influencie positivamente a “componente psicológica” do investimento) e com a existência de mecanismos de defesa da concorrência que assegurem uma maior transparência do mercado.
Muito se tem feito neste domínio, mas, ainda, se está aquém do indispensável…
Finalmente, importa adoptar uma postura diferente em relação ao investimento público, procurando-se dar mais peso à metodologia PPP (Public – Private – Projects) e criar condições propiciadoras das reformas tidas como necessárias a uma efectiva melhoria do Bem-Estar.
São conhecidos os argumentos invocados contra o recurso ao investimento público, podendo, aliás, os mesmos ser reconduzidos às seguintes questões:
a) o efeito multiplicador-acelerador é atenuado em economia aberta, como a nossa;
b) a aposta no investimento público é um paliativo, uma vez que o desenvolvimento genuíno de uma economia de mercado deve assentar no acréscimo de produtividade (e de competitividade) ao nível dos agentes económicos privados;
c) a opção de incrementar o investimento público vai conduzir a que se privilegie a expansão do sector de Bens Não Transaccionáveis (SBNT), sector esse que se apresenta estrategicamente menos relevante do que o Sector de Bens Transaccionáveis (SBT), em termos de concretização de um modelo de vantagens competitivas dinâmicas;
d) as políticas económicas que assentaram em programas de investimento público contribuíram, em muitos casos, para a existência de um Estado sobredimensionado e de excesso de burocratização.
Ora, sucede que sou dos que pensam que, para uma economia como a portuguesa, em que o Estado se apresenta como elemento muito importante de referência comportamental para os agentes económicos e em que se constatam os condicionalismos decorrentes do “sindroma despesista” e do “comportamento FTL”, não se afigura fácil sair de uma para-recessão ou inverter um ciclo de crise sem se recorrer ao investimento público.
E as quatro questões acima mencionadas merecem alguns esclarecimentos adicionais…
Em primeiro lugar, sendo verdade que o efeito multiplicador-acelerador é atenuado em economia aberta, também é verdade que não se apresenta nulo, uma vez que a propensão marginal a consumir bens nacionais não é igual a zero.
O que interessa saber é se o efeito induzido no crescimento da actividade económica nacional mais do que compensa ou não o eventual efeito negativo ao nível das Contas Externas.
Em segundo lugar, nem todo o investimento público é, necessariamente, um paliativo, uma vez que poderá, em muitos casos, competir ao Estado investir em infraestruturas indutoras de externalidades positivas.
Mas, mesmo os paliativos, em determinadas circunstâncias, desempenham um papel, altamente, positivo.
Conforme já tive oportunidade de expôr6, se um doente que padece de cancro terminal estiver cheio de dores, o médico não lhe vai explicar que não lhe dá analgésicos porque mais não são do que paliativos, uma vez que o cancro só pode ser tratado com quimioterapia ou com radioterapia. O médico prefere que o doente seja submetido a tratamento não tendo dores do que com dores.
E ao fazê-lo está, até, a influenciá-lo positivamente, do ponto de vista psicológico, podendo, inclusive, por essa via, contribuir para a sua cura…
Se transpusermos esta análise para a economia – com as necessárias adaptações – podemos chegar à conclusão de que se apresenta, porventura, mais fácil reformar a Administração Pública e os Sectores da Saúde e da Educação num contexto de reduzido desemprego e de paz social do que num contexto de elevado desemprego e de intensas convulsões sociais, no pressuposto de que não se enverede por um despesismo irresponsável.
Em terceiro lugar, se é verdade que, em regra, o investimento público tende a privilegiar o SBNT, também não é menos verdade que a aposta na expansão do SBT deve ser, concomitantemente, acompanhada de algum crescimento ao nível do referido SBNT, evitando-se, por essa via, desequilíbrios excessivos a nível sectorial e regional, bem como no que concerne ao mercado de trabalho.
Em quarto lugar, não se afigura líquido que todo o investimento público contribue, necessariamente, para o sobredimensionamento do Estado, para a adopção de soluções ineficazes e para o excesso de burocracia.
Nos países nórdicos têm sido concretizados importantes programas de investimento público, o Estado tem um peso muito considerável na economia e, todavia, não seria justo afirmar-se que a Administração Pública é extremamente ineficaz.
Do que se disse resulta que para a economia portuguesa poder crescer a um nível superior a 2,4-2,5% (em termos de PIB) será, muito provavelmente, necessário apostar num acréscimo de investimento público, recorrendo-se à metodologia P.P.P. (e criando-se condições para alguma inversão das tendências existentes no mercado de trabalho, de acordo, aliás, com a conhecida Lei de OKUN7).
O importante estará na aposta em investimento público reprodutivo, a par de um aumento de competitividade das nossas empresas e, por conseguinte, de um significativo acréscimo da produtividade, permitindo uma evolução da economia nacional semelhante à descrita na Fig. 4.
Nesse caso, o défice orçamental – (SO) – começaria por crescer, mas logo diminuiria, cruzando em A e curva do investimento.
O ponto A seria o “ponto crítico das Finanças Públicas”, uma vez que o défice seria inferior ao próprio investimento público, o que significaria que o saldo corrente passaria a ser positivo.
Por outro lado, o défice das Contas Externas (BP) – que podemos fazer corresponder ao que, outrora, se designava de Balança de Operações Não Monetárias – aumentaria inicialmente para, depois, diminuir, cruzando a curva do investimento em B, o qual seria o “ponto crítico das Contas Externas”.
Ao ponto A poderíamos, também, chamar de ponto de sucesso das Finanças públicas (SFP) e ao ponto B poderíamos chamar deponto de Sucesso da Balança de Pagamentos (SBP).
O recurso à metodologia PPP permitiria, inclusive, acelerar a evolução positiva da curva (S0), tornando-se, por conseguinte, indispensável definir mecanismos transparentes e eficazes de selecção de parcerias.
Em qualquer caso, será sempre indispensável definir uma estratégia consistente de desenvolvimento da economia portuguesa, seleccionando sectores estratégicos e áreas prioritárias.
Como será sempre indispensável escolher, a cada momento, os melhores instrumentos de política económica.
Em suma: estamos numa encruzilhada da vida nacional cuja evolução não deverá ser fácil.
Mas, importa concluir com uma nota de optimismo, ainda que moderado.
Os portugueses, quando bem organizados, quando inseridos em estruturas adequadas de gestão, quando confrontados com as maiores adversidades, conseguiram, em circunstâncias diversas, dentro e fora do País, ultrapassar barreiras, convertendo, em muitos casos, o impossível em possível.
Não será agora que baixaremos os braços.
Não se desiste de um País, nem de uma Comunidade.
E a nossa economia, o nosso País e a nossa Comunidade tem condições para enveredar por um modelo competitivo e dinâmico de sucesso, no quadro da economia internacional.
Notas
1 Vide SOUSA, António Rebelo de e QUINTINO, António Manuel in “Das variáveis explicativas do crescimento na economia portuguesa”, revista de “Economia & Empresa”, II Série, n.° 6, Universidade Lusíada Editora, 2006, págs. 11 a 26. [ voltar ]
2 Não será idêntica uma estratégia empresarial em mercado de monopólio (em que não existe concorrência) e uma outra em mercado concorrencial, nem tão pouco a intervenção de um agente empresarial em mercado de oligopólio ou de concorrência monopolística, para já não falarmos nos mercados contestáveis. [ voltar ]
3 Vide “Boletim Mensal da Economia Portuguesa”, n.° 2, Fevereiro de 2008, GPEARI – Gabinete de Planeamento, Estratégia, Avaliação e Relações Internacionais. [ voltar ]
4 Note-se que, todavia, as rubricas que mais contribuíram para o crescimento das exportações de bens e serviços foram o grupo de produtos “máquinas” (14,5%), os serviços “viagens e turismo” (14,3%) e o grupo “minérios e metais” (10,7%). [ voltar ]
5 Taxa de variação média dos últimos doze meses de 2,5%. [ voltar ]
6 Vide SOUSA, António Rebelo de in “De um novo conceito de desenvolvimento económico no quadro da economia internacional”, ISCSP, 2008, pág. 160 a 169. [ voltar ]
7 A Lei de OKUN estabelece uma relação entre o abaixamento da taxa de desemprego e a aceleração do crescimento económico. No caso particular de Portugal, o desemprego só deverá sofrer, consistentemente, uma redução substancial da taxa de desemprego quando a taxa de crescimento anual do PIB se situar acima dos 2,25-2,5%. [ voltar ]
Bibliografia
FUKUYAMA, Francis – “Depois dos Neoconservadores – A América na Encruzilhada” Gradiva, 2006.
GALBRAITH, John Kenneth – “A Sociedade Desejável”, Publicações Europa-América, 1997.
STIGLITZ, Joseph E. – “Tornar Eficaz a Globalização”, Edições ASA, 2007.
SOUSA, António Rebelo de – “Da Teoria da Relatividade Económica Aplicada à Economia Internacional e às Políticas de Cooperação”, Universidade Lusíada Editora, 2004.
SOUSA, António Rebelo de e QUINTINO, António Manuel – “Das variáveis explicativas do crescimento na economia portuguesa”, Revista de “Economia & Empresa”, II Série, n.° 6, Universidade Lusíada Editora, 2006.
SOUSA, António Rebelo de – “De um novo conceito de desenvolvimento, no quadro da economia internacional”, ISCSP, 2008.
2008
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