Das Economias de Transição aos Novos Desafios da Integração

1. Da importância da ajuda ao desenvolvimento.

Para se compreender a importância da ajuda ao desenvolvimento nas economias em transição afigura-se indispensável procurar analisar o impacto dos investimentos infraestruturais nas respectivas estruturas produtivas.

A este propósito ou com este objectivo foram realizados alguns estudos, sendo, nomeadamente, de referir as contribuições de Philippe AGHION e de MARK SCHANKERMAN (1), os quais pretenderam “medir” três contribuições principais do investimento infraestrutural, a saber: a) o efeito em termos de selecção directa pelo mercado (privilegiando as empresas que produzem a custo mais baixo); b) o efeito de reestruturação (por exemplo, a redução dos custos de transporte incentiva as empresas a investir na redução dos seus custos de produção); c) o efeito de acesso a novas empresas (i.e., a redução de custos encoraja a entrada de empresas utilizadoras de métodos de produção geradores de baixos custos).

A análise de AGHION e SCHANKERMAN centra-se, fundamentalmente, numa abordagem pelos custos (secundarizando a vertente qualidade, a qual se apresenta particularmente relevante para a compreensão da especialização intra-sectorial), sub-dividindo os efeitos resultantes da redução dos custos nos “efeitos directos” e nos “efeitos dinâmicos” (sendo estes últimos entendidos como acréscimo de selectividade adveniente da própria redução de custos).

Os autores chegam a cinco conclusões fundamentais, a saber:

  • os investimentos infraestruturais aumentam o nível de bem-estar (redução directa dos custos e efeitos dinâmicos resultantes do incremento da selectividade);
  • muito embora os investimentos infraestruturais contribuam para reduzir a margem de lucro (uma vez que conduzem a um acréscimo de competição), verifica-se uma tendência para o sector privado aumentar a sua quota de mercado (o que vai, naturalmente, ao encontro do objectivo preconizado, por exemplo, para os PECO’s de criação de economias de mercados viáveis e competitivas);
  • as empresas menos eficientes tendem a resistir aos investimentos infraestruturais, enquanto que as mais eficientes são a favor deste tipo de investimento;
  • os investimentos em infraestruturas dão um maior incentivo às empresas de baixos custos do que às empresas de elevados custos, o que aliás, “explica” a conclusão anterior;
  • os investimentos infraestruturais incentivam a entrada de novas empresas de baixos custos.

Toda a análise levada a cabo por AGHION e SCHANKERMAN assenta nos custos comparativos, com as limitações daí decorrentes e que se prendem com os pressupostos da inalterabilidade das dotações de factores, de se estar na fronteira de possibilidades de produção e de não se entrar em linha de conta com o progresso tecnológico, entre outros aspectos que não se pretende, nesta oportunidade, esmiuçar.

Para além de que (como reconhecem os próprios autores) “uma análise custo-benefício que pretenda comparar duas empresas deveria assentar no princípio segundo o qual a comparação entre as respectivas quotas de mercado só deve ser efectivada uma vez concretizados os necessários investimentos infraestruturais”(2).

Melhor dizendo, para se concluir que o grau de eficiência da empresa A é melhor do que o da empresa B (em condições de economia competitiva) seria necessário (pelo menos, em teoria) pressupôr que ambas actuavam em condições óptimas (e idênticas) em termos de infraestruturas gerais de enquadramento, o que, como é sabido, se apresenta utópico. Deste modo, o que, na prática, se apresenta possível fazer é comparar os graus de eficiência e de competitividade das duas empresas nas condições concretas de funcionamento em que as mesmas têm que intervir, i.e., o que é possível é, isso sim, comparar graus de eficiência relativa.

AGHION e SCHANKERMAN afirmam que quando, por exemplo, existe uma diferença de cerca de 25% entre o custo de empresas EC – Elevado Custo e o custo de empresas BC – Baixo Custo, apresentando-se, simultâneamente, o nível inicial das infraestruturas bom, o efeito directo de um investimento novo apenas explica em 42% a alteração, entretanto, verificada no nível de Bem-Estar.

Por outro lado, em economias com um grau de desenvolvimento menor (em termos de infraestruturas) – como, por exemplo, algumas das economias que integram a C.E.I. (Comunidade dos Estados Independentes) – o efeito directo representa quase 100% da “explicação” da variação ocorrida no nível de Bem-Estar, enquanto que o efeito dinâmico (ligado à selectividade) apresenta pouco peso “explicativo”.

Mais, concluem os autores que os efeitos indirectos podem ser maiores se houver uma elevada proporção de empresas de EC, bem como uma elevada assimetria do que designam de “assimetria de custos” e um bom nível inicial de infraestruturas.

Para AGHION e SCHANKERMAN deverão existir três categorias distintas de apoio financeiro por parte do Banco Europeu de Reconstrução e Desenvolvimento – BERD, a saber: a) a que respeita ao investimento infraestrutural; b) a que se relaciona com a reestruturação das actividades; c) a que está ligada à entrada de novas empresas no mercado.

Convirá, todavia, ter presente a diferença (tal como é, aliás, salientado pelos autores) entre o investimento em infraestruturas e o investimento na reestruturação das empresas, uma vez que, no primeiro, não se torna necessário identificar “ex ante” as unidades produtivas mais eficientes, enquanto que, no segundo, se apresenta indispensável proceder a essa identificação (o que implica a existência de capacidade do BERD para o efeito).

Por outro lado, a análise da ajuda a conceder depende, ainda, da fase do processo de desenvolvimento em que se encontra a economia (bem como o sector específico considerado), havendo que ter em conta os efeitos dos próprios investimentos infraestruturais na capacidade de aprendizagem das empresas (quer a partir dos aspectos particularizantes das suas experiências, quer a partir de experiências alheias).

Os autores não sublinham, todavia, a necessidade de se ter uma perspectiva global e globalizante do processo de desenvolvimento, na linha do CDF – “Comprehensive Development Framework”, o que passaria pela consideração de diversas áreas prioritárias de intervenção e bem assim por actuações simultâneas e concertadas ao nível da negociação da dívida, da concretização de programas de ajustamento estrutural e de políticas consistentes de estabilização macroeconómica, para já não se mencionar a indispensabilidade das reformas estruturais e institucionais.

E para a aplicação de uma abordagem CDF seria, em boa verdade, útil estudar qual o impacto das diversas variáveis explicativas do crescimento económico na obtenção de padrões de desenvolvimento mais elevados por parte das economias em transição.

2. Das variáveis explicativas do desenvolvimento das economias em transição.

Elisabeta FALCETI, Martin RAISER e Peter SANFEY procuraram investigar a importância relativa de três variáveis na explicação do crescimento económico nas economias em transição(3), a saber: 1) as condições iniciais de desenvolvimento; 2) as políticas de estabilização macroeconómica; 3) as reformas estruturais.

Segundo os autores, se se adoptar um modelo “cross-section”, as diferenças de situação inicial poderão vir a apresentar um maior peso relativo na explicação das disparidades existentes em termos de crescimento económico, no decurso dos primeiros anos do período de transição.
Todavia, à medida que os anos vão passando, o “impacto” das “condições iniciais” vai diminuindo (deixando de se apresentar relevante a partir dos dez anos), aumentando, entretanto, o “impacto” das reformas.

Por outro lado e ainda segundo os autores, o “impacto” das políticas de estabilização macroeconómica apresenta-se pouco claro, muito embora se considere (à semelhança de outros autores como, por exemplo, FISCHER, SAHAY, VEGH, LOUGANI e SHEETS) que, de um modo geral, é positivo.

Melhor dizendo, considera-se que, por exemplo, políticas conducentes à redução da taxa de inflação ou a um controle mais rigoroso dos défices orçamentais têm um efeito benéfico em termos de desenvolvimento económico, numa perspectiva de longo prazo.

Simplificando, os autores reconduzem as reformas estruturais, no essencial, à liberalização do comércio e às privatizações, concluindo – tal como STIGLITZ – que estas últimas contribuem positivamente para o desenvolvimento económico, desde que exista “good governance”.

A análise levada a cabo pelos autores – e que se pretende aplicar ás economias em transição – apresenta, no entanto, diversas limitações, com destaque para as seguintes: a) a existência nos países que constituem o objecto da presente análise de uma importante “economia paralela”; b) o facto de se ter reconduzido, como se disse, as reformas à liberalização do comércio e às privatizações; c) se adoptarmos uma regressão linear múltipla, com duas variáveis “explicativas”, a saber, as “reformas” e as “condições iniciais”, então poderá existir o risco de multicolinearidade.
Em síntese, FALCETI, RAISER e SANFEY chegam às seguintes conclusões fundamentais:

  • existe um efeito positivo significativo da liberalização do comércio e das privatizações (reformas estruturais) no crescimento;
  • as “condições iniciais” têm uma importante influência na explicação do crescimento nos primeiros dez anos de transição, decrescendo, de uma forma muito substancial, essa influência, posteriormente;
  • as políticas de estabilização explicam, também, o ritmo de crescimento económico, sendo, todavia, mais difícil quantificar o seu “impacto” (até porque o mesmo tem muito a ver com o que se convencionou designar de “componente psicológica” do investimento).

Uma questão da maior relevância – que se prende com as políticas de estabilização, a estabilidade cambial e a “componente psicológica” do investimento alógeno – a ter em conta consiste no facto de o crescimento económico nas economias de transição passar, fundamentalmente, pela consideração de duas vertentes, a saber:

  1. o aumento da produtividade, com o que tal implica em termos de aposta em termos de progresso tecnológico e de formação da mão-de-obra;
  2. o incremento de “stock” de capital, com as necessárias implicações em termos de processo de acumulação capitalística prévia (e, por conseguinte, em termos, de formação de poupança).

Acontece, todavia, que os efeitos decorrentes de uma política conducente ao aumento da produtividade não se fazem sentir senão a médio e longo prazos, implicando, em qualquer caso, a concretização de investimento líquido, pelo que a segunda vertente (correspondente ao incremento do “stock” de capital) se apresenta da maior importância.

Mas, para que exista investimento novo significativo (intensificando o aumento de “stock” de capital) afigura-se indispensável a acumulação prévia de poupança, endógena ou exógena. E, em princípio, a formação de poupança endógena nas economias em transição conhece algumas limitações, em larga medida decorrentes do facto de uma parte significativa da população viver ao nível da subsistência e de não se constatar a existência de uma classe média forte, pelo que as economias em causa deverão ter que recorrer ao investimento alógeno (que o mesmo é dizer à poupança exógena).

E para que exista investimento alógeno apresenta-se, absolutamente, necessário que sejam postas em prática políticas de estabilização macroeconómicas consistentes, procurando-se influenciar positivamente a “componente psicológica” do investimento.

Daí que convenha estudar até que ponto existe ou não, em termos significativos, uma relação positiva entre o investimento directo estrangeiro (IDE) e a Formação Bruta de Capital Fixo (FBCF) para as economias em transição, as quais constituem o escopo da presente análise.

3. Da relevância do Investimento Directo Estrangeiro (IDE) para o processo de desenvolvimento das economias em transição.

Um dos estudos interessantes – embora apresentando algumas debilidades – sobre a relação existente entre o IDE e a FBCF nas economias em transição é o de Libor KRKOSKA(4), o qual conclui que a formação de capital está positivamente associada ao IDE.

O autor procura, ainda, demonstrar que o IDE funciona como “substituto” do crédito interno (o que nem sempre se apresenta verdade, podendo, até, suceder, em certos casos, que funcione como “complemento”) e que se apresenta complementar do crédito externo e das próprias receitas com as privatizações.

Para KRKOSKA, o IDE tem tido um impacto positivo nas economias em transição pelas seguintes razões fundamentais:

  • constitui, em qualquer caso, uma fonte de financiamento;
  • ajuda a minimizar o défice externo e facilita a cobertura do que o autor designa de “défice fiscal” (ou, melhor dizendo, do défice orçamental), o qual estaria, também, ligado às receitas com as privatizações (associadas ao IDE);
  • contribuiria para a formação de capital e bem assim para a transferência de tecnologia e de “Know-how”;
  • criaria condições para a internacionalização das economias (com expansão do Sector de Bens Transaccionáveis – BT).

KRKOSKA suscita, ainda, uma questão: até que ponto se apresentaria ou não importante o recurso ao IDE tendo em vista a formação de capital, em alternativa a outras formas de financiamento, tais como, por exemplo, o crédito interno e externo, o mercado de capitais ou os próprios subsídios estatais?

Segundo autores como Graham e Lipsey conviria começar por definir o que se entende por IDE com algum rigor, o que nem sempre se apresenta fácil, uma vez que este conceito aparece, sobretudo, associado à origem ou à proveniência de fundos e não, própriamente, à sua utilização (ou ao tipo de aplicação).

De facto, nem sempre o afluxo de capitais resultante, por exemplo, de privatizações é, verdadeiramente, canalizado para investimento (estando-lhe até, eventualmente, associado um ulterior “outflow”).

Todavia, em muitos casos de “take-overs”, uma parte do IDE é canalizada para a formação de capital, sendo, ainda, de referir que, em múltiplas experiências, o IDE aparece, necessáriamente, associado a investimento infraestrutural (inclusive, sob a forma de investimento público directo ou de P.P.P. – Public Private Project), pelo que, em princípio, sempre que se verifique um acréscimo de IDE deverá o mesmo produzir um “impacto” positivo no “stock de capital” e no produto interno(5).

Por outro lado, importa, ainda, reconhecer – na linha da análise levada a cabo pelo autor – que o IDE pode, também, em certas circunstâncias, contribuir para melhorar as condições de acesso ao crédito externo por parte das unidades produtivas, bem como de transparência empresarial, aumentando a competitividade e uniformizando e generalizando regras de conduta (o que se apresenta positivo para quem defenda uma globalização que tenha como matriz uma economia de mercado e, altamente, negativo para quem esteja contra a globalização e pretenda o regresso ao proteccionismo ou, em alternativa, a globalização da “revolução proletária”, entendida no sentido marxista-leninista ou na sub-versão trotskista).

De qualquer forma, existe um certo consenso (conforme refere KRKOSKA) quanto aos factores que influenciam o IDE nas economias em transição, a saber:

  1. a dimensão do mercado exportador potencial;
  2. os “factores de gravidade” (“gravity factors”);
  3. a diversidade e a quantidade de recursos disponíveis;
  4. as “aptidões” existentes, quer em termos tecnológicos, quer em termos de grau de qualificação da mão-de-obra;
  5. a estrutura de custos de produção;
  6. a intensidade e o ritmo das reformas estruturais;
  7. a estabilidade política e económica e o seu “impacto” na componente psicológica do investimento (havendo, nesse domínio, diferença entre, por exemplo, os PECO’s e os países que integram a CEI – Comunidade dos Estados Independentes).

KRKOSKA considera que, com excepção do caso da Hungria, o IDE nas economias em transição não se tem vindo a apresentar muito elevado, não chegando, por exemplo, em 1998, a 10% do montante global para os PVD’s e a 20% do IDE “per capita” para o mesmo conjunto de países.
No entanto, manda a verdade reconhecer que, em termos de rácio IDE/PNB, os valores obtidos para as economias em transição são comparáveis aos verificados na América Latina, no Sudeste Asiático e, inclusive, nos países menos evoluídos da UE.

Um dos factores que apresenta significativa relevância na explicação do IDE consiste na “gravidade” (“gravity factor”), nomeadamente, nos casos da República Checa, Polónia e Hungria, sendo de salientar que o mesmo tem que ver com a proximidade ou adjacência em relação aos países da UE (proximidade da própria fonte ou origem do IDE).

Por outro lado, nos casos concernentes à Polónia, Rússia e Roménia (sobretudo, no caso Russo) o factor dimensão do mercado potencial ocupa um lugar de importância primacial e nos casos atinentes ao Azerbaijão e à Rússia os recursos naturais revestem-se, também, da maior das relevâncias na explicação do IDE.

O IDE estaria, de alguma forma, associado não apenas às privatizações como também à reestruturação das empresas.

Em boa verdade e ainda segundo KRKOSKA, existe uma relação directa (para as economias em transição) entre o rácio IDE/PNB e as receitas com as privatizações, muito embora o autor reconheça que se verificam algumas limitações nos processos de privatização, uma vez que os mesmos se apresentam, por vezes, dificilmente compatibilizáveis com o que se convencionou designar de consolidação de grupos nacionais, uma vez que a mesma implica, em regra, o recurso ao endividamento, interno e externo.

Quanto à reestruturação empresarial, os investidores estratégicos interessados na recuperação de empresas insolventes optam entre duas modalidades: a) a aquisição da empresa em questão no seu conjunto, depois da reestruturação/consolidação do Passivo; b) a aquisição de, apenas, uma parte dos activos da empresa, parte essa não onerada ou não associada a quaisquer responsabilidades significativas.

Em termos de modelo econométrico, KRKOSKA procura explicar a evolução da Formação Bruta de Capital Fixo – F.B.C.F. – a partir, fundamentalmente, da consideração do que designa de “reservas acumuladas” (i.e., resultados líquidos de exploração depois da distribuição de dividendos), do “crédito novo”, do financiamento pelo mercado de capitais e dos subsídios e transferências(6).

O sobredito modelo foi aplicado a 25 economias em transição (excluindo a Bósnia Herzegovina e a Jugoslávia), cobrindo os anos de 1989 a 2000, permitindo, segundo o autor, chegar às seguintes conclusões fundamentais:

  • a FBCF está positivamente ligada ao IDE, à capitalização do mercado de capitais e ao crédito interno;
  • não existe uma relação significativa entre a FBCF e os subsídios, sendo, todavia, certo que o IDE se apresenta positivo para a FBCF nos países em transição;
  • existe uma relação negativa entre o grau de liquidez no mercado de capitais e a FBCF (o que, segundo o autor, poderá ter que ver com o aumento do investimento especulativo em relação ao investimento reprodutivo;
  • o IDE funciona, até certo ponto, como elemento ou factor substitutivo do investimento doméstico e do crédito interno;
  • o crédito externo aparece associado ao IDE (correlação positiva);
  • as privatizações e os recursos naturais estão associados positivamente ao IDE (pelo que, indirectamente, poderão influenciar positivamente a FBCF);
  • muito embora os subsídios não contribuam de forma significativa para o aumento da FBCF, também parecem não constituir um obstáculo ao seu incremento.

Apesar de a análise levada a cabo por KRKOSKA não se apresentar, particularmente, original, afigura-se possível retirar da mesma algumas implicações políticas, a saber:

  • a relevância de um bom “clima” para a concretização de investimentos (e, muito em particular, para a existência de IDE), o que, por sua vez, se relaciona, também, com a componente psicológica do investimento;
  • a indispensabilidade de se apostar numa adequada regulamentação do mercado de capitais e bem assim de se proceder a profundas reformas no sector financeiro;
  • a necessidade de não se procurar ver nos subsídios um verdadeiro suporte ao investimento doméstico (muito embora, também, não se apresente correcto considerar que os mesmos produzem sempre um impacto negativo na F.B.C.F. e no IDE);
  • a admissibilidade de, em determinadas circunstâncias, o Estado desempenhar funções sociais e ambientais, bem como em termos de contribuição para a reestruturação das empresas, sem, por tal facto, ter de prejudicar o sector privado da economia e o próprio processo de desenvolvimento.

4. Como distinguir, entre si, as economias em transição.

MARC SUHRCKE e DANIEL GROS procuraram estabelecer, analiticamente, uma distinção entre os PECO’s, os países da SEE (South-Eastern European Countries) e os que integram a CEI (Comunidade dos Estados Independentes), bem como chegar a algumas conclusões quanto à existência de características comuns a estas economias em transição que permitam explicar a necessidade de uma abordagem específica para os respectivos processos de desenvolvimento(7).

Uma primeira questão a colocar – e que se prende com os “traços comuns” – consiste, precisamente, no facto de se saber se o modelo de direcção-central terá deixado ou não uma herança tão pesada que conduza a uma significativa diferenciação (volvidos mais de dez anos) das economias pós-comunistas em relação às restantes economias que apresentam um PIBp.c. comparável.

Para os autores, permanecem, ainda hoje em dia, nas economias em transição algumas das características dos modelos de direcção-central, com destaque para as seguintes:

  • um peso significativo atribuído à indústria (em especial à indústria pesada), negligenciando-se o Sector de Serviços;
  • um elevado esforço de investimento em capital físico e humano;
  • um relativo subdesenvolvimento do sector financeiro, o qual resulta, segundo o autor, do próprio facto de não se tornar necessário dispôr de um sistema de afectação das poupanças dos particulares a investimento, de acordo com critérios de rendibilidade;
  • a ausência de um conjunto de “instrumentos jurídicos” que, em princípio, deveriam integrar um enquadramento legal que sirva de base ao funcionamento das economias de mercado.

Por outro lado e não obstante existam diferenças significativas entre as economias em transição e a generalidade dos PVD’s (Países em Vias de Desenvolvimento) – sobretudo, dos LDC’s (Less Developed Countries) e dos LLDC’s (Less Less Developed Countries) –, manda a verdade reconhecer que faz sentido pensar-se na adopção de uma metodologia semelhante à do CDF (Comprehensive Development Framework), procurando-se, simultâneamente, atender às diferenças de níveis de desenvolvimento.

Nesse sentido, convém ter presente a diferenciação levada a cabo pelos autores entre três grupos de economias em transição: a) o grupo mais avançado, constituído pelos PECO’s que celebraram, recentemente, o Tratado de Adesão com a UE, i.e., a Eslováquia, a Eslovénia, a Estónia, a Hungria, a Látvia, a Lituânia, a Polónia e a República Checa; b) o grupo da Europa do Sudeste (SEE) compreendendo a Albânia, a Bulgária, a Croácia, a Macedónia e a Roménia; c) o grupo dos países que integram a CEI (Comunidade dos Estados Independentes, também conhecida por CIS – “Community of Independent States”), a saber, a Arménia, o Azerbaijão, a Bielo-Rússia, a Geórgia, o Tajiquistão, o Kyrgyzstão, a Moldávia, a Rússia, o Cazaquistão, o Turquemenistão e a Ucrânia.

Em termos gerais, afigura-se possível considerar que o primeiro grupo (que designamos de CEE-8) é o que se apresenta mais avançado, seguindo-se-lhe o SEE e, finalmente, o da CEI.

Os autores concluíram que, de um modo geral e para os sobreditos países, o peso do sector industrial na população activa é de 1,5 a 2 vezes o que deveria corresponder ao respectivo PIBp.c., se se comparar com a generalidade das restantes economias europeias.

Já o mesmo não se afigura possível afirmar no que se refere ao peso do Valor Acrescentado Bruto do Sector Industrial no PIB, o qual não se apresenta muito diferente dos valores verificados para as restantes economias europeias e para o mesmo nível de PIBp.c. .

Paralelamente, os autores salientaram que o nível de investimento em certo tipo de capital físico (por exemplo, em caminhos de ferro) e em capital humano se apresenta superior ao, normalmente, constatado nas restantes economias europeias (ou, até mesmo, da OCDE) com um nível de PIBp.c. idêntico.

Uma das limitações que é, também, mencionada por DANIEL GROS e MARC SUHRCKE consiste no facto de existir muita corrupção, a todos os níveis, existindo mesmo, segundo os autores, uma correlação negativa entre corrupção e PIBp.c., à semelhança, aliás, do que sucede em termos mais gerais.

Por outro lado, um dos indicadores que servem para, de alguma forma, demonstrar a reduzida importância relativa do sector financeiro no conjunto da economia para os países em transição consiste, precisamente, no rácio M2(8)/PNB, o qual se apresenta, em regra, baixo.

GROS e SUHRCKE chegam, no seu estudo, à conclusão de que as economias em transição mais marcadas pelas características próprias do modelo de direcção central são as que integram o grupo SEE e a CEI, havendo, ainda, três economias não europeias muito marcadas pelas referidas características, a saber, o Congo, Cuba e Guiné-Bissau (para além, óbviamente, da Coreia do Norte, a qual não foi objecto de estudo por parte dos autores) – (9).

Em síntese, GROS e SUHRCKE consideram que, ainda hoje em dia, se torna possível distinguir as economias que foram, outrora, de direcção-central das restantes, designadamente no atinente ao nível de emprego no sector industrial, à intensidade de utilização da energia, às infraestruturas físicas, à proporção de população com ensino secundário e universitário e ao subdesenvolvimento relativo do sector financeiro.

Os autores separam, de forma muito clara, o grupo CEE-8 do grupo SEE e da CEI, chegando mesmo a colocar a questão sobre a razão de ser da manutenção das ajudas ao desenvolvimento (a partir do BERD) às economias em transição, muito em particular aos PECO’s (10).

5. Conclusões finais.

Do conjunto das análises mencionadas, afigura-se possível retirar diversas conclusões relevantes, a saber:

  1. de um modo geral, os investimentos infraestruturais contribuem, de forma significativa, para a melhoria do nível de Bem-Estar, favorecendo, naturalmente, as unidades produtivas mais eficientes e, por isso mesmo, mais competitivas;
  2. a ajuda ao desenvolvimento (quer ao nível do BERD e das economias em transição, quer, em termos mais gerais, ao nível dos PVD’s e dos organismos de cooperação multilateral e das IFI’s – Instituições Financeiras Internacionais) tenderá a dar mais peso aos investimentos infraestruturais ou ao apoio à reestruturação da actividade empresarial e à entrada no mercado de novas empresas consoante o grau de desenvolvimento do país objecto da sobredita ajuda;
  3. as condições iniciais (de desenvolvimento) apresentam uma influência importante na explicação do crescimento das economias que constituem o escopo da presente análise nos primeiros anos da transição, ganhando maior relevância os factores que se prendem com as reformas estruturais, a partir de cerca de dez anos;
  4. a liberalização do comércio e as privatizações (reformas estruturais) apresentam uma significativa importância relativa na explicação do desenvolvimento das economias em transição, sobretudo, volvidos cerca de dez anos;
  5. as políticas de estabilização consistentes (orientadas para o rigor orçamental e o controle da inflação) têm, numa perspectiva de médio e longo prazos, um “impacto” positivo no processo de desenvolvimento económico das economias em transição, actuando ao nível da “componente psicológica do investimento” e contribuindo para o incremento do IDE;
  6. o IDE tem um “impacto” positivo na FBCF (a par da capitalização do mercado de capitais), funcionando, até certo ponto, como factor substitutivo do investimento doméstico e do crédito interno;
  7. a existência de transparência nas privatizações, bem como de uma adequada regulamentação do mercado de capitais e de profundas reformas no sector financeiro, contribui para a expansão sustentada do IDE;
  8. a admissibilidade de, em certas circunstâncias, o Estado desempenhar funções sociais e de apoio à reestruturação das empresas sem, por tal facto, prejudicar ou constituir, necessáriamente, um entrave ao sector privado e ao processo de desenvolvimento das economias em transição;
  9. o reconhecimento de que, do conjunto das economias em transição, os PECO’s constituem o grupo mais avançado, seguido do da Europa do Sudeste (SEE) e, finalmente, da CEI.

Do que se disse, afigura-se possível conceber que, no limite (tendo como horizonte temporal 2010 a 2020), a UE venha a integrar 30 países, compreendendo, para além dos 25 que passarão a fazer parte da União a partir do próximo ano, a Roménia, a Bulgária, a Albânia, a Croácia e a Macedónia.

A CEI deverá, preferencialmente, consolidar-se, funcionando a Rússia como núcleo motor do processo de desenvolvimento endógeno, sem prejuízo da intensificação de um relacionamento comercial e económico preferencial com a U.E.

Uma questão, particularmente, relevante para economias como a portuguesa tem que ver com o papel que pequenas economias abertas poderão vir a desempenhar no bloco de integração europeia do futuro.

Trata-se de análise a desenvolver em nova oportunidade.

Na certeza de que, na linha de autores como LAFAY(11), a aposta na especialização intra-sectorial, na adjacência e na qualidade dos bens e serviços produzidos (a par de uma política de “imagem” inserida numa Política de “marketing” global coerente e consistente) deverá constituir o alicerce fundamental de um novo modelo de desenvolvimento que potencie a criatividade e que possibilite a obtenção de novos patamares de existência humana.

 

NOTAS:

(1) - AGHION, Philippe; SCHANKERMAN, MARK – “An analytical framework for evaluating transition impact of infrastructure projects”, Banco Europeu para a Reconstrução e Desenvolvimento, Out. de 2000.
(2) - AGHION, PHILIPPE; SCHANKERMAN, MARK – Ob. Cit., pág. 7.
(3) - FALCETI, ELISABETA; RAISER, MARTIN; SANFEY, PETER – “Defying The odds: initial conditions, reforms and growth in the first decade of transition”, BERD, Julho de 2000.
(4) - KRKOSKA, LIBOR – “Foreign direct investment financing of capital formation in Central and Eastern Europe”, BERD, Dezembro de 2001.
(5) - KRKOSKA, Libor – Ob. Cit., pág. 1.
(6) - KRKOSKA, Libor – Ob. Cit., págs. 11 a 14.
(7) - SUHRCKE, MARC; GROS, DANIEL – “Ten years after: what is special about transition countries?”, BERD, Agosto de 2000.
(8) - M2 – Quase-Moeda (encaixes monetários nas mãos de particulares, depósitos à ordem e depósitos a prazo).
(9) - Todos os países em causa têm regimes de tipo ditatorial ou para-ditatorial.
(10) - SUHRCKE, MARC; GROS, DANIEL – Ob. Cit., pág. 17 – Levanta-se a questão de, pelo menos, discriminar, de uma forma clara e consistente, os PECO’s das economias SEE e dos membros da CEI no que se refere às modalidades de financiamento.
(11) - LAFAY, GÉRARD; HERZOG, COLETTE; FREUDENBERG, MICHAEL; UNAL-KESENCI, DENIZ – “Nations et Mondialisation”, Ed. Económica, 1999.

Setembro de 2003

 

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