O Síndroma da "Família de Esquerda"
Há quem não tenha, ainda, percebido que o que separa o socialismo democrático do marxismo-leninismo é muito mais do que aquilo que os une.
Há quem não tenha, ainda, compreendido que a grande fronteira ideológica é a que separa a democracia da anti-democracia e não a que distingue o capitalismo do socialismo.
Há quem persista em afirmar que existem valores comuns à esquerda que deverão cimentar uma alternativa à direita.
Quem assim pensa não serve os interesses da democracia, não ajuda a criar condições para a concretização de modelos de desenvolvimento consistentes e contribui para a manutenção de grandes equívocos, transformando a tentação totalitária de uns num mero desviacionismo autoritário que, apesar de tudo, apresenta a virtualidade de comungar do desiderato de maior justiça social.
Contrariamente ao que os arautos da pipolarização defendem, a terceira via continua a fazer, plenamente, sentido.
Uma terceira via que reconheça não existir alternativa ao mercado no que se relaciona com a afectação racional de recursos e a auscultação das preferências dos consumidores.
Uma terceira via que reconheça, também, que a automaticidade dos mecanismos reequilibradores do mercado nem sempre funciona, que se impõe a aplicação de uma política fiscal redistributiva, que existem direitos sociais (como os do acesso à saúde e à educação) que devem ser assegurados pelo Estado e que importa corrigir os efeitos perversos da globalização.
Ser-se progressista, hoje em dia, é ser-se democrata-radical, é não abdicar da defesa dos direitos humanos, é lutar por uma solidariedade que não seja, simultaneamente, opressora das liberdades individuais é, enfim, não ter medo da diversidade, do diálogo, da livre confrontação de ideias e da capacidade criativa do Homem.
Tudo isto é inconciliável com o marxismo-leninismo.
Em boa verdade, se o ultra-liberalismo está para a sociedade do nosso tempo como a aspirina está para o doente que sofre de uma grande maleita, o marxismo-leninismo equivale a um tratamento que, com sorte, o deixa em estado semi-comatoso.
E o modelo “trotskista-estalinista-libertário” do Bloco de Esquerda corresponderá mesmo a um tratamento mortal.
Daí que se apresente importante que a área do socialismo democrático se identifique com a terceira via, não se confundindo, por conseguinte, com as teses “frentistas” e assumindo-se como esquerda pró-ocidental, pró-mercado e gradualista, na linha da “praxis” do actual Primeiro-Ministro britânico.
Daí que não me reveja na actual Direcção do PS, de há muito a esta parte.
Daí que pense que ou a actual Direcção muda – e muda depressa – de rumo ou, então, é preciso mudar de Direcção ...
Novembro de 2003
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