A Relevância Geoconómica do Atlântico para Portugal.
1. Considerações preliminares
É do conhecimento geral que o Oceano Atlântico é o segundo maior do Mundo e o mais relevante do ponto de vista comercial, uma vez que liga as duas maiores potências existentes, a saber, os EUA e a Europa.
Dividido pela dorsal meso-atlântica, o Oceano Atlântico resultou da divisão dos Continentes Africano e da América do Sul, compreendendo diversas regiões, desde o Oceano Glacial Ártico, ao Mar do Norte, ao Mar Báltico, ao Mar da Mancha, ao Mar da Irlanda, à Baía de Hudson, ao Mar da Noruega, ao Mar Mediterrâneo e ao próprio Mar Negro.
Existem duas correntes no Oceano Atlântico: uma, do Atlântico Norte, que se move no "sentido horário" (i.e., dos ponteiros do relógio); outra, do Atlântico Sul, que se move no sentido "anti-horário" (sentido contrário ao dos ponteiros do relógio).
O Atlântico Sul liga, por sua vez, a América Latina à Costa Ocidental Africana, por sinal a mais rica de África.
A orla do Atlântico Sul conta com a presença de países com elevadas taxas de crescimento do PIB – Produto Interno Bruto, tendo a América do Sul caminhado, ainda que de forma muito menos significativa do que a U.E. – União Europeia, para a integração económica.
A título de curiosidade, refira-se que 35% do conjunto das exportações e das importações brasileiras passam pelo Atlântico, havendo, ainda, a realçar a importância do Canal do Panamá, sendo certo que cerca de 4% do comércio mundial passa pelo mesmo.1
Mais, o Oceano Atlântico é o que apresenta a maior reserva petrolífera, fazendo, plenamente, sentido analisar os potenciais efeitos da ampliação do Canal do Panamá, os problemas com que se defrontarão as cidades banhadas pelo Atlântico Norte (sendo certo que a Comissão Europeia tem vindo a manifestar o maior interesse em acompanhar a questão) e as características mais relevantes apresentadas pelas Bacias ligadas ou integradas no eco-sistema do Atlântico.2
Importa, todavia, não ter uma perspectiva estática sobre a relevância estratégica do Atlântico, tornando-se necessário considerar os "cenários" alternativos de evolução da economia mundial, ligando-se a importância futura do segundo maior oceano do Mundo a essa evolução previsível. De uma forma simplificada, afigura-se possível considerar cinco "cenários" alternativos, a saber:
- no da liderança da economia mundial por parte das Novas Economias Emergentes (que alguns autores preferem designar de New-NIC's e que eu prefiro chamar de Intermediate Countries, com destaque para a China e para a Índia);
- o do reforço da hegemonia dos EUA, graças à capacidade criativa e inovadora que, em sectores cruciais, a economia americana tem conseguido revelar;
- o do aumento do peso relativo da economia europeia, pressupondo-se a efectiva consolidação do processo integracionista e o aumento de capacidade competitiva, com simultânea conquista de novos mercados;
- o do regresso a políticas protecionistas, com a emergência de nacionalismos exacerbados e com efeitos recessivos decorrentes da aplicação generalizada de medidas restritivas ao comércio e aos movimentos dos factores de produção na economia mundial;
- o da criação de um novo sistema de poderes arquipelágico, mas com manutenção da hegemonia de um paradigma Ocidental, no que concerne a sistemas de valores e ao modelo político de organização das sociedades.
2. Da liderança de Novas Economias Emergentes
De acordo com um estudo levado a cabo pela PriceWaterhouseCoopers (PWC), em 2013,3 a China poderá vir a ser a primeira potência mundial, seguida da Índia, passando os EUA a ocupar a terceira posição (com o Brasil na quarta).
Trata-se, todavia, de uma classificação assente no montante previsível do PIB – Produto Interno Bruto, em termos absolutos, o que, como é óbvio, não nos transmite uma ideia correcta sobre o grau de desenvolvimento dos diferentes países.
E mesmo considerando o PIB em termos absolutos em US dólares (mas não em ppc – paridade do poder de compra), os EUA deverão manter a liderança, seguidos da China, da Índia, do Japão e do Brasil.
Se se considerar o PIBpc - Produto Interno Bruto "per capita", os EUA deverão estar a uma distância, ainda, muito significativa da China e da Índia.4
Se nos quedarmos por uma análise previsional com um horizonte temporal mais limitado, como sucedeu com um estudo da Ernest & Young Terco,5 o PIBpc médio mundial será de 18.892 US dólares, em 2030, enquanto que o PIBpc médio nos países da NAFTA – North America Free Trade Association atingirá os 53.840 US dólares e nos EUA deverá atingir os 65.208 US dólares, contra os 34.847 US dólares na Europa, os 32.379 US Dls na China, os 42.112 dólares no japão e os 6.213 US dólares na Índia.
Com base nas projecções realizadas para a população dos EUA, da Europa, da China e do Índia, o PIBpc médio ponderado do conjunto dos EUA e da Europa rondará os 48.455 US Dls, enquanto que o PIBpc médio ponderado da China e da Índia será de, aproximadamente, 18.848 US Dls, o que significa que o PIBpc médio dos EUA e da Europa, no seu conjunto, deverá ser 2,57 vezes o PIBpc médio da China e da Índia, em termos globais.6
Acresce ao que se disse que toda a construção teórica favorável à tese de que a economia mundial será liderada pela China, numa perspectiva de longo prazo, assenta na ideia de que existe uma oferta ilimitada de mão-de-obra (o que permitirá a manutenção dos salários a um nível baixo) e que em termos do factor produtivo trabalho não existem indivisibilidades tecnológicas, o que possibilitaria a obtenção de elevados índices de produtividade a baixo custo comparativo.
Ora, tal construção teórica não resiste a uma análise segmentada da oferta de mão-de-obra na economia chinesa, sendo certo que a oferta de mão-de-obra qualificada está longe de se apresentar totalmente elástica, o que, aliás, explica os aumentos salariais que têm vindo a ocorrer (bastante elevados, chegando a rondar os 8% ao ano) em diversas actividades industriais que se têm vindo a expandir na China.
Por outro lado, o efeito demonstração-imitação, de que nos falava Stuart Mill, não se verifica só ao nível dos fluxos comerciais, mas também ao nível dos valores e dos próprios modelos de sociedade, influenciando, sobretudo, as novas gerações.
Daí que se apresente previsível que, mais dia, menos dia, se venham a registar mudanças no sistema político chinês, com consequências nos custos marginais de produção e, por conseguinte, em termos de competitividade externa.
Por outro lado, o modelo de crescimento chinês assenta na industrialização, não se constatando um desenvolvimento tão significativo no sector de serviços como seria expectável numa economia que estivesse a enveredar por um crescimento sustentável que lhe permitisse atingir a fase de "commercialization point" "a la Ranis e Fei".7
E o processo de acumulação capitalística está fortemente condicionado (na China como noutras economias emergentes do Continente Asiático) pelas estratégias de investimento de multinacionais americanas e japonesas, utilizando, em muitos casos, Taiwan, Singapura e a Coreia do Sul como "plataformas de intervenção".
Paralelamente, os excedentes das Balanças Básicas de Pagamentos ou das Balanças de Operações Não Monetárias8 das Novas Economias Emergentes – NEE são, de uma forma geral, convertidos em activos expressos em dólares, o que coloca essas economias na dependência da evolução da economia americana.
Finalmente, as referidas NEE estão muito dependentes dos mercados de economias desenvolvidas, não se apresentando viável que as mesmas cresçam a um ritmo significativo se as "economias de centro" estiverem mergulhadas numa recessão ou se conhecerem um crescimento rastejante.
Deste modo, afigura-se algo simplista considerar-se como altamente provável a futura liderança do que se convencionou designar de Novas Economias Emergentes.
3. Do reforço da hegemonia dos EUA
Para alguns autores, existe uma tendência inexorável para o agravamento das diferenças de grau de desenvolvimento entre os EUA e a Europa. Importa, todavia, ter em conta a contribuição analítica de Robert C Pozen,9 o qual procurou estudar as razões explicativas para o facto de, no decurso dos últimos 30 anos, o Rendimento Nacional "per capita" se situar 30% acima da média da EU15 (i.e., da "União Europeia dos quinze", anterior aos três últimos alargamentos).
É verdade que, entre 1994 e 2004, o PIB cresceu a uma taxa média anual de 3,3% nos EUA, enquanto que na UE15 a mesma taxa média anual de crescimento não ultrapassou os 2,1%.
Todavia, a taxa de crescimento do PIBpc foi, no decurso do mesmo período de tempo, muito semelhante nos EUA e na UE15 (1,8% ao ano para os EUA, e 1,7% ao ano para a UE15).
Assim e, ainda, segundo POZEN, o essencial da divergência entre a economia americana e a economia europeia (no decurso dos anos mencionados) não teria que ver, essencialmente, com diferenças nos ganhos de produtividade, mas antes com diferenças existentes ao nível do crescimento demográfico, devendo, aliás, essas diferenças continuar a ser responsáveis pela divergência de crescimento, no decurso das próximas décadas.
Existirá, ainda, um segundo aspecto que poderá estar na origem de um agravamento da divergência, o qual tem a ver com o esquema de financiamento das pensões de reforma.
De facto, o rácio entre o número de trabalhadores que descontam para a Previdência Social (ou para Planos de Reforma) e o número de trabalhadores que recebem pensões tem vindo a evoluir de forma mais negativa na UE do que nos EUA.
Por outro lado, se considerarmos o peso da população activa na população total (menor na UE do que nos EUA) e o facto de as horas de trabalho semanais serem de 35h em França e de 40h nos EUA, chegamos à conclusão de que o PIB "per capita" de trabalhadores activos chegava a ser ligeiramente mais elevado em França dos que nos EUA, em 2006/2007.
Logo, as perspectivas de afirmação clara da liderança americana da economia mundial poderiam, até certo ponto, ser questionadas.
Acresce ao que se disse, a instabilidade relativa existente em alguns países da América Latina, os problemas existentes no Mundo Árabe (em que existe algum envolvimento dos EUA), a indispensabilidade de apoio da economia americana à economia europeia e a incerteza quanto à capacidade de conquista de mercados como os da China, Índia e Rússia pelas empresas americanas.
Em qualquer caso, considerando projecções realizadas por entidades credíveis como, por exemplo, a PriceWaterhouseCoopers, os EUA deverão manter a liderança, a nível mundial, em 2050, em termos de PIBpc, continuando, inclusive, a ser o maior mercado consumidor em 2030 (segundo a Ernest & Young Terco), apresentando elevadas taxas de crescimento da produtividade dos factores produtivos trabalho e capital.10
Assim, o PIB mundial deverá conhecer uma expansão de 3,9% ao ano, entre 2007 e 2017. Mas, no período compreendido entre 2017 e 2030, deverá sofrer uma desaceleração induzida, em parte, pela perda de ímpeto da economia chinesa.
Esta última deverá passar de uma taxa de crescimento média anual de 7,9%, entre 2007 e 2017, para uma taxa de crescimento média anual de 5,5%, no decurso do segundo período, i.e., do período compreendido entre 2017 e 2030.
Ora, os EUA deverão, de acordo com as projecções realizadas, passar de 2,5% no primeiro período (2007/2017) para 2,8% no segundo (2017/2030), tendendo para alguma convergência com as Novas Economias Emergentes.
A própria Índia deverá passar de 4,4%, no primeiro período, para 2,6% no segundo, crescendo a um ritmo marginalmente inferior ao dos EUA.11
E, note-se, nas sobreditas projecções, não se entrou em linha de conta com todos os efeitos induzidos resultantes da descoberta de novas técnicas atinentes ao shale gas e à extracção de petróleo por parte dos americanos, descoberta que permitiu que os EUA sejam já, hoje em dia, os maiores produtores mundiais de gás natural, admitindo-se que venham a ser os maiores produtores mundiais de petróleo, em 2020.
Por outro lado, importa reconhecer que os EUA apresentam uma forte mobilidade social, horizontal e vertical, o que ajuda à manutenção de um tecido empresarial competitivo.
Todavia, sendo certo que os EUA deverão manter uma posição de liderança na economia mundial, afigura-se arriscado admitir-se como altamente provável um "cenário" de reforço da hegemonia da economia americana.
4. Do aumento de peso relativo da economia europeia
Ainda segundo projecções de Ernest & Young,12 a Europa conhecerá uma taxa de crescimento média anual de 2,1%, entre 2007 e 2017, e uma taxa de crescimento média anual de, apenas, 1,4%, entre 2017 e 2030.
A previsão para o primeiro período poderá apresentar-se um pouco optimista, sendo, todavia, previsível que o PIBpc se situe, em 2030, entre os 32.000 e os 36.000 US Dls (admitindo-se que atinja o valor de 34.847 US dólares), devendo corresponder a cerca de 53-54% do PIBpc dos EUA e situando-se 8% acima do PIBpc Chinês e representando 5,6 vezes o PIBpc da Índia.
O Brasil não ultrapassaria 58-60% do PIBpc europeu, mas o Japão apresentaria um PIBpc um pouco superior aos 40.000 Us Dls, podendo, portanto, atingir um valor em cerca de 20-21% superior ao da Europa.
Mesmo não conhecendo um forte crescimento económico, o conjunto da Europa com a América do Norte continuaria a representar em 2030 (como em 2050) a região mais rica do Mundo, em termos de PIBpc e em termos de índices de produtividade e de rendibilidade do factor produtivo capital.
É verdade que a evolução da economia europeia dependerá de um conjunto muito diversificado de factores, a começar pela consolidação ou não do processo integracionista, o que, aliás, se prende com a questão do futuro da União Económica e Monetária.
Uma taxa de crescimento média anual projectada entre 1,4 e 2,1% pressupõe a ausência de um "cenário" de ruptura na zona do euro e, por conseguinte, alguma consolidação do processo integracionista,13 o que não se apresenta facilmente conciliável com sucessivos alargamentos da União Europeia a leste.
Mas, a manter-se, no essencial, um processo integracionista assente na União Bancária (que tem mais a ver com a estabilidade do que com o crescimento), com recurso a um Mecanismo de Estabilização quando necessário e sem um reforço significativo do Orçamento Comunitário (continuando a não ser admissível uma intervenção no mercado primário, "a la Roubini", por parte do Banco Central Europeu), a Europa será, necessariamente, a sub-região mais pobre da região mais rica do Mundo.
Por outro lado, existe a ameaça do "imperialismo territorial" Russo, com crescente influência nos países da SEE (South East Europe), não se apresentando evidente que países como a Ucrânia, a Moldávia ou a Geórgia venham, necessariamente, a pender mais para a UE do que para a esfera de influência da CEI (Comunidade dos Estados Independentes).
Também não será fácil à Europa (mau grado o dinamismo alemão) assumir a liderança das exportações para a China, para a Índia e, de um modo geral, para as Novas Economias Emergentes, bem como do Investimento Directo Estrangeiro para estes países e para a própria Rússia, o que, desde logo, condiciona um "cenário" de aumento significativo do peso da UE no concerto internacional.
Deste modo, afigura-se mais realista assumir que a Europa oscilará entre a manutenção do peso relativo que apresenta a nível mundial e uma perda relativa de peso, mantendo-se, todavia, inserida no Mundo Desenvolvido.14
Em qualquer caso, para que um "cenário" deste tipo se verifique, a manutenção de uma relação privilegiada com os EUA e o aproveitamento das potencialidades existentes no Oceano Atlântico apresentam-se de importância vital.
5. Do regresso aos protecionismos
Manda a verdade reconhecer que existe, também, a possibilidade de se evoluir para um "cenário" de regresso aos protecionismos.
Se o processo integracionista europeu conhecer um retrocesso, com a implosão da zona do euro ou com a saída da mesma de algumas economias "mediterrânicas", se a Rússia (tal como é governada no tempo presente) alastrar a sua influência à SEE e a alguns PECO's, se se registarem recuos ao nível da ASEAN (Association of Southeast Asian Nations), se emergirem nacionalismos exacerbados na América Latina e se, porventura, se intensificar a influência chinesa (sem que, entretanto, ocorra uma mudança política relevante neste país) no Continente Africano, então poderão vir a ser aplicadas, de forma generalizada, medidas restritivas ao comércio e aos movimentos dos factores na economia mundial. Na Europa, a evolução dependerá, em larga medida, da capacidade de aprofundamento do processo integracionista e da evolução política que ocorrerá na Rússia.
Na ASEAN, importará ter em conta a evolução que vier a verificar-se na Índia, no Japão, nas Coreias, em Taiwan e, naturalmente, na própria China, bem como no conjunto de países que integram a ASEAN.
Mas a relevância do Atlântico estará, também, em muito, condicionada pela evolução da América Latina e do Continente Africano.
Na América latina – admitindo a gradual integração do México na NAFTA –, o Brasil tenderá a ser a potência dominante, assumindo, também, o Chile, a Colômbia e a Argentina uma relevância intermédia significativa. O Mercosul ou se alarga e aprofunda ou, então, com a emergência de fenómenos de populismo radical,15 associados a um nacionalismo exacerbado, poderá haver a tentação de se regressar à aplicação de modelos de substituição de importações "a la Hollis Chenery", correndo-se o risco de se reiniciarem ciclos de inflação – desvalorização – inflação.16
Todavia, se os sobreditos países resistirem a essa tentação e, sobretudo, se o Brasil for bem sucedido na implementação de uma estratégia de desenvolvimento sustentável,17 atingindo uma taxa de crescimento médio anual de 4% até 2017 e de 3,8%, entre essa data e 2030, então o PIB conhecerá uma expansão acumulada de 150%, com aumento da competitividade externa e fortalecimento da classe média e média-baixa. Uma evolução com estas características poderia assentar num forte crescimento do investimento, com uma expansão da força de trabalho assimilada pelos circuitos económicos (empregada na economia formal) a uma taxa de 0,9% a 1% ao ano, com aumento da escolaridade de 7,8 anos (em 2007) para 11,3 anos (em 2030), com um aumento da produtividade a uma taxa média anual superior a 0,9%,18 uma expansão da massa salarial de 3,5% ao ano e um aumento do consumo de 3,8% ao ano.
E no caso concreto do Continente Africano, importa, sobretudo, analisar as perspectivas de evolução da África sub-sahariana, designadamente no que concerne à costa ocidental e à SADC (Southern African Development Community), procurando-se compreender a influência chinesa nestas regiões de interesse estratégico.19
Segundo o "Economic Outlook for Sub-saharian Africa" a taxa de crescimento do PIB terá sido de 5,3%, em 2012 (em termos agregados), prevendo-se uma taxa de 5,6%, em 2013, sendo certo que a taxa de crescimento médio anual, entre 2000 e 2007, terá rondado os 5%, quando, no decurso da última década do século passado, não terá ultrapassado os 4%.
Excluindo a África do Sul, a taxa de crescimento do Continente africano, nos anos mais próximos, dificilmente poderá ultrapassar os 6%, muito embora a sua evolução dependa, largamente, das tendências que se vierem a registar na economia mundial.
Economias como o Ghana, Moçambique e Nigéria cresceram significativamente, sendo, ainda, de realçar que as regiões LLDC's – Less Less Developed Countries (com menos de 1,25 US dólares por dia e "per capita") viram o seu peso relativo (em termos populacionais) diminuir de 58,1%, em 1999, para 47,5%, em 2008, o que significa que se registou uma diminuição da pobreza extrema.
Também os indicadores relativos à mortalidade materna à nascença conheceram uma evolução favorável e o investimento, após um declínio em 2009/2010, experimentou um acréscimo substancial em 2011 (da ordem dos 25%).
Dos 48 Estados africanos, 22 atingiram a categoria de PVD's – Países em Vias de Desenvolvimento não LCD's (melhor dizendo, de Países com um Desenvolvimento Médio), constatando-se, todavia, uma clara tendência para as populações se concentrarem em centros urbanos.20
Mas, importa compreender as novas parcerias com os países africanos, designadamente no que se refere à China e à Índia.
Se no caso da Índia, o peso relativo deste país nas importações totais do Continente africano não ultrapassava, em 2011, os 7%, já no caso da China atingia, no mesmo ano, os 17%, sendo, ainda, de salientar que o afluxo de capitais proveniente da China não é condicionado à existência de Good Governance, o que, objectivamente, poderia favorecer um "cenário" de regresso a experiências inspiradas em formas de nacionalismo exacerbado e a modelos de substituição de importações.
Em boa verdade, não se apresenta possível desligar a presença da Índia e da China no Continente africano de uma estratégia de "consolidação de posições para participar na segunda fase de exploração do Atlântico Sul, cujo início ainda é incerto: a exploração dos "global commons" situados fora das áreas de jurisdição das soberanias em águas internacionais, que constituem património comum da Humanidade e uma "apólice de seguro" das gerações futuras".21
Todavia e não obstante os problemas com que se defronta, presentemente, a UE, a existência de uma estratégia que mantém aspectos de "imperialismo territorial" por parte da Rússia, as dificuldades existentes na experiência integracionista do Mercosul e a intervenção potencialmente desestabilizadora da China no Continente Africano, nada nos diz que o "cenário" de regresso aos protecionismos se apresenta o mais provável. Seria necessário que as tendências mais negativas nas diferentes regiões se verificassem simultaneamente, convergindo para a emergência de uma situação potencialmente explosiva, a nível mundial, o que não se afigura altamente provável.
6. De um novo sistema de poderes arquipelágico, com manutenção de um paradigma ocidental hegemónico.
Do que se disse, afigura-se possível concluir que não se apresenta provável um "cenário" de liderança da economia mundial por parte das Novas Economias Emergentes, em geral, e da China, em particular.
Mesmo em 2030, o PIB "per capita" do conjunto dos EUA e da Europa deverá corresponder a 2,6 vezes o PIB "per capita" do conjunto da China com a Índia, não se considerando os efeitos que poderão vir a resultar de profundas reformas políticas e sociais que se venham a operar na China, caso em que haverá repercussões ao nível dos custos marginais e da competitividade externa da economia chinesa, contribuindo, ainda mais, para debilitar a sua posição relativa, no quadro da economia mundial.
Por outro lado, sendo certo que a economia americana deverá manter, nas décadas mais próximas, uma posição de liderança – para tal contribuindo, aliás, a exploração do shale gas e a descoberta de novas tecnologias de extracção do petróleo –, manda a verdade reconhecer que deverão emergir novas potências como a UE, a China, a Índia, a Rússia e, a uma certa distância, o Brasil.
Daí que faça sentido falar-se num "cenário" de criação de um novo sistema de poderes arquipelágico, com manutenção de uma certa dominância do conjunto da América do Norte e da UE (Atlântico Norte) e com relevância do Brasil e dos países da Costa Ocidental do Continente Africano – relevância estratégica dos países da área do Golfo da Guiné e da África do Sul (Atlântico Sul).
E importa sublinhar que nesse sistema arquipelágico se manterá a hegemonia de um paradigma ocidental.
De facto, não só ao nível do Sistema Económico tende a universalizar-se a aceitação do princípio da indispensabilidade da existência de liberdade de iniciativa (que, com excepção da Coreia do Norte, não se questiona na generalidade das economias), como também, praticamente, ninguém questiona, hoje em dia, os valores que integram a Declaração Universal dos Direitos do Homem.
Em boa verdade, mesmo os Governantes que discordam da democracia representativa (que apelidam de "democracia burguesa") não ousam discursar na Assembleia Geral das Nações Unidas para defender a tese de que o sistema de partidos deveria ser condenado, as liberdades públicas deveriam ser questionadas e o princípio do Sufrágio Universal directo e secreto deveria ser recusado.
Muito pelo contrário, procuram explicar que estes valores são respeitados nos seus próprios países, que o mesmo é dizer que, se não adoptaram o paradigma ocidental, aceitam, pelo menos, que o mesmo condicione as respectivas funções – objectivo.
Daí que faça sentido falar-se em sistema arquipelágico com manutenção de um paradigma ocidental hegemónico.
E é neste contexto que importa saber reconhecer a importância estratégica do Oceano Atlântico.
Não se trata, apenas, de reconhecer que se trata do Oceano com maiores reservas de petróleo.
Não se trata, tão somente, de reconhecer que se trata do Oceano que liga as regiões mais desenvolvidas que existem, presentemente, na economia mundial.
Trata-se de compreender que, mesmo em 2050, i.e., daqui por trinta e seis anos, ligará as regiões mais desenvolvidas do Mundo, dada a relevância que a América do Norte e a U.E. continuarão a apresentar e dada a dinâmica desenvolvimentista da Costa Ocidental africana e da América Latina.
Não ter essa percepção é não perceber a própria estratégia orientada para uma intervenção crescente na região do Atlântico de economias como as da China e da Índia, conforme se sublinhou anteriormente.
E sendo o Atlântico estratégico, Portugal não deverá esquecer a importância da sua Plataforma Continental, nem a indispensabilidade de procurar articular posições com os países lusófonos da região, maximizando o aproveitamento futuro de potencialidades que, de uma forma ou de outra, alguém irá explorar no futuro.
© 2006-2010, António Rebelo de Sousa.
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