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Em Defesa do Keynesianismo

Muito embora reconhecendo mérito à produção teórica de “supply-siders” como WANNISKI, SETTERFIELD e EVANS, não concordo com a ideia de que, em situação de recessão ou de para-recessão, se consiga inverter o “ciclo da crise” recorrendo a uma redução dos impostos.

A ideia de que a redução dos impostos, ao induzir um aumento do rendimento disponível das famílias, vai contribuir para o incremento do investimento e, por conseguinte, para a reanimação da actividade económica e para a diminuição do desemprego apresenta-se muito discutível.

E a tese de que, graças à conhecida curva de Laffer, a redução de impostos conduz sempre a um aumento da receita fiscal e a uma melhoria do saldo orçamental também não faz grande sentido, uma vez que tudo depende do ramo da curva em que nos situarmos.

Conforme explicou ROUBINI, a redução de impostos levada a cabo, no princípio dos anos 80, pela Administração Reagan não foi eficaz nem em termos de aumento do ritmo de crescimento do nível de actividade económica, nem no que concerne à atenuação do défice orçamental.

E quando a Administração Clinton aumentou os impostos esperavam os supply-siders uma desaceleração do crescimento económico e um agravamento do défice orçamental e tudo se passou de forma diferente, a saber, intensificou-se a expansão da economia americana e o défice orçamental não só melhorou, como passou a supéravit.

Em boa verdade, sou dos que pensam que, em situação de recessão, os agentes económicos temndem a adoptar um comportamento FTL – “Follow the leader”, i.e., tendem a seguir a empresa ou empresas de referência.

Dada a existência do que designo de “sindroma despesista”, os agentes económicos condicionam as decisões de investimento às expectativas de evolução da despesa, o que, em situação recessionista, depende, em larga medida, do comportamento do Estado, muito em particular no que concerne ao investimento público.

Daí que o Estado assuma o papel de empresa “leader” ou de empresa de referência, o que, por outras palavras, significa que o comportamento dos agentes económicos passa a estar condicionado pelo nível de investimento público e o seu impacto nas expectativas de crescimento e de evolução da despesa global.

Daí que pertença ao grupo dos que pensam não ser possível inverter o “ciclo da crise” sem recorrer ao investimento público.

A ideia de que o investimento público não constitui uma verdadeira “porta de saída” para a crise porque não existe capacidade de absorção da dívida pública pelo mercado não se me afigura, inteiramente correcta, uma vez que se apresenta possível rever as regras decorrentes de Maastricht, no sentido da admissibilidade de o Banco Central Europeu financiar os Estados Membros da Zona do Euro (revisão essa com a qual concordo, aliás, por inteiro).

E assim sendo, o BCE poderia criar um “plafond” de intervenção para a compra de dívida pública dos Estados participantes na “zona do euro”.

Tratar-se-ía de uma solução com alguns efeitos perversos, uma vez que não só contribuiria para agravar a Dívida Pública em muitos Estados, como também para aumentar as pressões inflacionistas.

Mas, em meu entender, tratar-se-ía de um mal menor.

Por outro lado, a tese de que a injecção de liquidez nos mercados só poderá provocar efeitos perniciosos (na linha da escola monetarista que, a partir da equação de troca, considera que o aumento de massa monetária em circulação só produz efeitos no nível geral dos preços e não no rendimento real) não faz sentido, como autores da qualidade de um MANKIW, de um ROMER ou de um BLANCHARD demonstraram, com base no que designavam de viscosidade dos preços.

E a ideia de que os grandes projectos de investimento público só fazem sentido em economias em que o excedente de mão-de-obra se apresenta indiferenciado também não se apresenta lógica, uma vez que Keynes jamais afirmou que os grandes investimentos públicos tinham que ser, necessariamente, trabalho-intensivos e que, só nesse caso, produziriam efeitos indutores positivos no nível de actividade económica.

Paralelamente, tem sido dito que o neo-Keynesianismo não é aplicável a economias abertas, uma vez que o acréscimo de rendimento distribuído provocado pelo investimento público apenas contribuiria para aumentar as importações e não a produção interna.

Trata-se de mais uma simplificação analítica, já que se está a pressupor que a propensão marginal a consumir bens nacionais é igual a zero ou, pelo menos, tão baixa que o acréscimo induzido de produção nacional não compensa o incremento de importações.

E, obviamente, não terá que ser sempre assim...

E afirmar-se que defender o Keynesianismo quando não existem “protecções aduaneiras”, uma política orçamental e uma moeda é uma “tonteria” é que é, manifestamente, uma “tonteria”; sobretudo quando se defende a aplicação de políticas coordenadas de inspiração neo-Keynesiana no espaço europeu e, muito em particular, na “zona do euro”, aonde existem fronteiras económico-comerciais, um orçamento comunitário e, manifestamente, uma moeda, a saber, o euro.

Também o argumento invocado no sentido de que o investimento público é sempre, tendencialmente, favorável a que se privilegie o sector de Bens Não Transaccionáveis, provocando distorções inadequadas no modelo de desenvolvimento se apresenta discutível.

Em primeiro lugar, porque nem todo o investimento público tem que ser, necessariamente, orientado para o SBNT.

Em segundo lugar, porque a expansão do SBT tem que ser, também, acompanhada de alguma expansão do SBNT, a fim de não serem provocadas grandes assimetrias, quer numa perspectiva sectorial, quer numa perspectiva regional.

Em síntese, muitos aspectos do pensamento neo-Keynesiano e das contribuições novo-Keynesianas continuam a apresentar-se válidos e, por isso mesmo, aplicáveis à economia do nosso tempo.

É verdade que a produção teórica neo-Keynesiana e novo-Keynesiana apresenta, também, algumas limitações e que muitas das contribuições teóricas dos supply-siders e da escola monetarista se apresentam de grande interesse para a análise da evolução das economias do nosso tempo.

Mas, constitui sinal de um grande complexo – talvez de um complexo de culpa em relação à “praxis” de alguns membros da nova tecnoestrutura neo-liberal emergente – não reconhecer os méritos da produção teórica de inspiração Keynesiana.

Esquecem-se os que assim pensam de que, sem Keynes, a evolução do Mundo poderia ter sido bem pior.

Bem pior, mesmo...

in Tempo Livre n.º 203 (Abr. 2009)

 

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