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A Insegurança e a Actual Crise Económica Internacional

 
1. Nota Introdutória

Durante muitos anos, especialistas no que se convencionou designar de Ciência Política consideravam que a insegurança, a instabilidade, o terrorismo e, de um modo geral, os conflitos sociais resultavam, essencialmente, do subdesenvolvimento.

Se se pretendia solucionar o problema da insegurança (ou, pelo menos, atenuá-lo), era preciso combater a miséria, romper com o dualismo económico-social, bem como com o que NURSKE designava de “círculo vicioso da pobreza”.

Tal levava a um debate sobre a problemática da Nova Ordem Económica Internacional que chamasse a atenção para a indispensabilidade da transferência de recursos do Norte para o Sul ou, se se preferir, do “centro industrializado” para a “periferia subdesenvolvida”.

Nesta linha, a Segurança Internacional apresentava-se como algo de indissociável das Políticas de Cooperação e da Ajuda Pública ao Desenvolvimento.

Acontece, todavia, que os desenvolvimentos constatados, mais recentemente, na situação económica mundial levam à introdução de novos factores de insegurança, de natureza diferente, que se inserem numa perspectiva que não se esgota na problemática do subdesenvolvimento, mas que contempla a vontade de aproveitamento de eventuais debilidades sistémicas por parte de sectores anti-globalização e anti-Dogmática dos Direitos Humanos (tal como é concebida no Ocidente), sectores esses que, de uma forma ou de outra, se inspiram em teses fundamentalistas e que têm da própria Globalização uma visão truncada.

 
2. A presente crise financeira e económica

Convém, antes do mais, referir alguns dos factores explicativos da presente crise financeira e económica internacionais, apresentando, simultaneamente, soluções.

Muitos economistas preferem proceder a um diagnóstico da presente crise, sem, todavia, apresentarem soluções concretas, antes se limitando a propostas vagas e imprecisas, do género de que se torna necessário estimular a despesa, mas que tal não se apresenta fácil de concretizar, uma vez que importa não aumentar, significativamente, os défices orçamentais, não se apresentando, também, possível incrementar a Dívida Pública, apontando, tão somente, o caminho do investimento na formação e na educação, na esperança de um dia “redentor” em que, fruto de uma recuperação da situação económica internacional, as exportações poderão aumentar a um ritmo tal que haverá crescimento sustentado e redução do desemprego.

Sem ofensa, os ditos economistas “encomendam-se a Deus Nosso Senhor” – o que, em boa verdade, é sempre louvável – e esperam, serenamente, que a Intervenção Divina opere os necessários Milagres.

Acontece que a presente crise teve, de facto, a sua origem numa deficiente gestão de liquidez pelo Sector Financeiro, numa sobrevalorização de activos e numa má gestão do risco, sendo certo que os primeiros sinais deste conjunto de debilidades surgiram na fase pós - Big Bang dos anos 80.

Mas, desde há cerca de 8 ou 9 anos que se apresentava evidente que estávamos confrontados com os primeiros sinais de uma crise económica estrutural.

Sectores como os das telecomunicações e da informática – tidos como motores e nucleares aquando da III Revolução Industrial – perderam algum do seu dinamismo e, por conseguinte, a capacidade de inverterem o “ciclo da crise” (ao contrário da situação ocorrida aquando da “Crise do Golfo”, em princípios dos anos 90), gerando-se, a partir de 2002 – 2003, uma situação, ao nível de muitos países desenvolvidos, de crescimento moderado, senão mesmo de quase estagnação ou de para-recessão (que alguns autores prefeririam designar de “crescimento homotético”).

Sou, aliás, dos que pensam que o problema estrutural da economia mundial só se solucionará quando ocorrer a IV Revolução Industrial e de Serviços e que tal implicará a aposta em sectores em relação aos quais não se constate uma saturação ao nível do grau de satisfação das necessidades das comunidades, i.e., a aposta em sectores com necessidades infindas por satisfazer.

Será, por exemplo, em meu entender, o caso de um sector como o da Saúde.

Quando se descobrir a cura de certos tipos de cancro ou do HIV, ou, ainda, quando se descobrirem novas técnicas de produção de medicamentos e/ou de equipamentos médicos, não apenas a esperança de vida à nascença aumentará, como os custos com a saúde diminuirão.

Tal permitirá, graças aos avanços tecnológicos, o desenvolvimento de novas actividades – como, por exemplo, o turismo de saúde e o turismo de terceira idade, com efeitos a montante, a jusante e laterais –, bem como uma maior competitividade entre sector público e sector privado em toda a área da Saúde.

Mas, regressando à crise, sendo já evidente que existiam, de há uns anos a esta parte, sinais de crise potencial em muitas economias desenvolvidas, com possibilidade de alastramento à semi-periferia e à periferia, propriamente dita, a escola neo-liberal entendeu que a melhor maneira de lidar com a situação existente consistia em privilegiar a componente psicológica, procurando-se evitar que se gerasse desconfiança por parte dos agentes económicos.

Tradicionalmente, o Pacto Keynesiano levava a que numa situação de para-recessão (ou de crescimento rastejante) se começasse a baixar a taxa de juro, a aumentar o investimento público (com eventual agravamento do défice orçamental) e a injectar liquidez no mercado.

As correntes neo-liberais preferiram (muitas vezes com taxas de crescimento abaixo dos 1-1,5%) aumentar as taxas de juro, reduzir o investimento público e conter o volume de massa monetária em circulação, sempre com o pretexto de que era indispensável manter o grau de confiança dos agentes económicos.

Só que os agentes económicos não passaram, por tal facto, a investir mais.

O investimento privado em vez de aumentar continuava a diminuir e se havia algum crescimento o mesmo ficava a dever-se mais à expansão (ainda que temperada) do consumo (com recurso a endividamento) do que ao aumento do investimento.

É assim que, meses antes do deflagrar da crise financeira internacional, o BCF continuava, calmamente, a aumentar a taxa de referência, proclamando que a prioridade das prioridades estava no combate à inflação.

Só perante o inevitável os pensadores neo-liberais tiveram que admitir que talvez fosse de baixar as taxas de juros e de injectar alguma liquidez no sistema financeiro, mas lançando, desde logo, avisos contra as tentações neo-Keynesiana e novo-Keynesiana.

Os argumentos aduzidos eram os seguintes:

- o investimento público não produzia efeitos expansionistas significativos em economia aberta, antes contribuindo para o agravamento do desequilíbrio externo;

- o Keynesianismo só seria aplicável numa economia com direitos aduaneiros (i.e., fechada), com orçamento próprio e, claro está, com moeda própria, o que não sucederia, hoje em dia, com grande parte das economias;

- os grandes projectos de investimento público estariam, necessariamente, orientados para a absorção de mão-de-obra indiferenciada, pelo que não resolveriam o problema do desemprego em economias mais evoluídas;

- as políticas Keynesianas mais não seriam do que meros paliativos, contribuindo para a expansão do SBNT e não para o desenvolvimento do SBT, por definição o que se apresentaria mais relevante para o desenvolvimento de uma estratégia orientada para o aproveitamento das vantagens competitivas dinâmicas da economia.

- finalmente, as teses Keynesianas conduziram, inexoravelmente, a uma nova expansão excessiva do Sector Público, aumentando, de uma forma exagerada, o peso do Estado na economia e na sociedade.

Muito embora reconhecendo alguma validade a alguns dos sobreditos argumentos, importa, todavia, referir aspectos essenciais que, quer os “supply siders”, quer os monetaristas, têm deixado passar em claro:

- em primeiro lugar, para que o binómio multiplicador – acelerador não produzisse quaisquer efeitos no nível de actividade económica seria necessário que a propensão marginal a consumir produtos nacionais fosse igual a zero, o que, naturalmente, corresponderia sempre a uma excessiva simplificação analítica (poderá, isso sim, comparar-se os efeitos produzidos no nível de actividade económica com os efeitos induzidos ao nível do desequilíbrio externo, o que se apresenta diferente de uma posição condenatória, sem apelo nem agravo);

- em segundo lugar, não conheço algum neo-Keynesiano ou novo-Keynesiano que defenda a tese de que a inversão do “ciclo da crise” deva resultar de políticas isoladas a concretizar no país A ou no país B e, no que concerne à Europa – e, muito em particular, à zona do euro –, o que se defende é, isso sim, uma coordenação de políticas a nível comunitário, sendo certo que, no quadro europeu, existem fronteiras e direitos aduaneiros face a países terceiros, é possível implementar uma política orçamental e existe uma moeda, a saber, o euro;

- em terceiro lugar, é preciso saber adaptar o pensamento Keynesiano aos novos tempos, não existindo, hoje em dia, um único neo-Keynesiano que pense que os grandes projectos de investimento público têm que ser sempre orientados para a absorção de mão-de-obra não qualificada, não havendo nada que impeça a realização de projectos de investimento público em sectores como os da indústria automóvel ou da indústria aeronáutica, a título de exemplo.

- em quarto lugar, os paliativos são muitas vezes indispensáveis.

Quando estamos perante um doente oncológico, já numa fase terminal, os analgésicos são paliativos, mas não é por isso que o médico deixa de recorrer aos mesmos.

Mais, a reacção à quimioterapia não será, necessariamente, a mesma estando o doente com dores ou sem dores.

Transpondo para a realidade social, não será, seguramente, o mesmo promover reformas na Administração Pública ou na Saúde com uma taxa de desemprego de 4% ou de 10%.

- Em quinto lugar, os projectos de investimento público não têm que ser, necessariamente, orientados para o SBNT, antes podendo contemplar, também, o SBT. Mas, manda a verdade reconhecer que a expansão do SBT deve ser, muitas vezes, acompanhada de alguma expansão ao nível do SBNT, a fim de se procurar evitar um agravamento significativo de desequilíbrios, a nível regional e sectorial.

Finalmente, não é verdade que um Estado forte se apresente incompatível com um Estado eficaz e ao Serviço da Comunidade.

Sou dos que pensam que os países nórdicos têm constituído, até certo ponto, um bom exemplo nesta matéria.

 
3. Que Proposta?

Assim sendo, qual a solução para a actual crise?

Sou dos que defendem que o Federal Reserve e o Banco Central Europeu devem injectar, ainda, mais liquidez no sistema financeiro.

Esta minha convicção resulta de concordar com as teses defendidas pelos novo-Keynesianos, de acordo com os quais existe viscosidade nos preços (e rigidez nos salários), pelo que a injecção de liquidez pode produzir efeitos benéficos ao nível do rendimento real.

Por outro lado, deveria haver uma maior coordenação de políticas económicas na U.E., revendo-se, em certos aspectos, o Pacto de Estabilidade e Crescimento.

O investimento público comparticipado por fundos estruturais europeus não deveria ser considerado (na parte correspondente ao investimento público nacional) para efeitos da aplicação do critério do défice.

E os avales prestados pelo Estado a PPP – Public Private Projects (na eventualidade de a responsabilidade indirecta se converter em responsabilidade directa) não deveriam ser considerados para efeitos da aplicação do critério da Dívida Pública, se no projecto ou projectos em causa houvesse comparticipação de fundos estruturais.

O B.C.E. deveria ser autorizado a financiar directamente os Estados Membros participantes na Zona Euro.

Finalmente, o euro deveria desvalorizar em relação ao dólar.

 
Sempre ouvi dizer que é preferível ter uma política do que não ter política alguma.

Mal ou bem, apresento o que considero ser uma metodologia, de inspiração neo-Keynesiana ou novo-Keynesiana, de resolução da crise.

Seria importante que quem tem ideias diferentes apresentasse, de forma clara, as suas soluções.

Mas, apresenta-se ainda, importante, afirmar que a solução dos problemas com que nos defrontamos tem, também, que ver com uma crise de valores.

O sindroma “hiper-competitivo” que conquistou uma Nova Tecnocracia Emergente que, aliada aos “Business Angels”, actua tendo em vista a maximização de uma função objectivo de curtíssimo prazo, dissociada dos interesses dos investidores convencionais e dos cidadãos, em geral, terá que ser substituído por um Novo Paradigma, que assente no culto da responsabilidade, ao nível dos gestores, e no culto do serviço público, ao nível dos que desempenham funções políticas.

É lamentável assistir-se à invasão da “mentalidade” de alguns responsáveis – na saúde, na economia ou na segurança – pelo sindroma “hiper-competitivo”, com emergência dos novos “yuppies” do aparelho de Estado que, mal chegados a um lugar, já estão a olhar para o lugar hierarquicamente superior, confundindo o bem-público com a mera promoção pessoal.

Sem uma mudança de valores, que implique o culto da responsabilidade e do serviço público, poderá, isso sim, ocorrer uma crise sistémica sem precedentes que os sectores fundamentalistas procurarão aproveitar.

Os fundamentalistas anti-sistema “jogam” um “jogo” diferente do nosso: não acreditam na democracia, mas utilizam-na como instrumento da criação de “zonas de fractura” e de “contestação” na sociedade a que pertencemos.

Vão-se aliar a movimentos sindicais radicais, procurar aprofundar as dificuldades de relacionamento entre a Europa e a Rússia, sublinhar as divergências entre israelitas e palestinianos, explicar a inviabilidade de aplicação de políticas de ajuda ao desenvolvimento no actual quadro sistémico e, mais dia menos dia, afirmar que Obama é igual a Bush, a esquerda democrática é igual à direita e que nada se soluciona sem recurso ao “Rejeicionismo” radical.

Procurarão explicar que é preciso substituir um Mundo pretensamente hegemonizado por uma Super-Potência por um Mundo Arquipelágico para, mais tarde, defenderem uma Nova Potência Hegemónica, quando a correlação de forças assim o permitir.

A verdade está no facto desses sectores estarem em perda desde os anos 80, tendo confundido a actual crise internacional com uma espécie de ressurgimento da expectativa do Grande Dilúvio que antecede um Novo Mundo.

Estão enganados, porque não é possível construir um Novo Mundo a partir do postulado “rejeicionista”, quando este põe em causa os Direitos e Liberdades Fundamentais da Pessoa Humana.

O problema dos “rejeicionistas”, está no facto de se definirem mais pela ausência de valores do que pela afirmação de valores, faltando-lhes um sonho, um projecto e uma bandeira.

E o mesmo não se passa connosco.

2009

 

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